Saúde

Mais ou menos medicamentos: uma escolha

Uma das áreas mais subjetivas no exercício da medicina é a da prescrição de medicamentos. E esta análise, paciente a paciente, em função dos diferentes critérios dos médicos ou farmacêuticos, não é neutra. As consequências estão todos os dias expressas na conta do Serviço Nacional de Saúde. É por esta mesma razão que as estatísticas realizadas quanto a gastos em medicamentos ou número de embalagens usadas são úteis porque revelam uma tendência.

E qual é? Mais unidades vendidas são consequência do "aumento da prescrição", diz António Ferreira, presidente do Hospital de São João. "Intervenção quase unilateral no mercado" por parte do ministro no sentido da descida dos preços, sublinha pelo seu lado Manuel Antunes, professor e cirurgião da Universidade de Coimbra. Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, chama aliás à atenção para "o aumento das embalagens vendidas pode ser motivo de preocupação".

Miguel Guimarães, da Ordem dos Médicos do Norte, lembra ainda um outro ponto: "Temo que muitos doentes não cumpram a terapêutica prescrita por não disporem de recursos financeiros". De onde se conclui que há muitos ângulos para se ler estes números mas um é indiscutível: os portugueses não abrandaram o consumo de medicamentos. Pelo contrário.

A queixa das populações tem por detrás um outro problema: a saturação da Urgência do São João. É muitas vezes caótica e desumana no tempo de espera.

[perguntas]

[1] O Tribunal de Contas sugeriu uma média de 15 minutos nas consultas dos médicos de família para que a eficiência aumente 37% e haja mais utentes com possibilidade de atendimento. É uma boa sugestão?

[2] Apesar do número de embalagens ter subido ligeiramente, a venda de medicamentos baixou em valor 4,3% no ano passado (e caiu 25% quando se compara 2008, melhor ano de sempre, com 2013). É uma boa notícia?

[respostas]

Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra

[1] Não seria, mas não me parece que o TC o tenha, de facto, sugerido. Talvez tenha sido uma mera hipótese. Evidentemente, as consultas não se podem medir ao minuto. Se algumas poderiam até levar menos tempo, outras levariam muito mais.

[2] Feitas assim, as contas são demasiado simplistas. Teria de se avaliar por formulação e por doente. Mas não me surpreende, com a intervenção, quase unilateral, que o ministro tem feito sobre o "mercado". Espero que não venha a ter consequências negativas.

Mauricio Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e prof. da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto

[1] Obviamente não. É pena que tenha sido este o eco público da auditoria, pois importaria ter em conta recomendações relevantes como o enquadramento das USF, por exemplo.

[2] O aumento das embalagens vendidas pode ser motivo de preocupação, que importaria estudar. A redução mencionada resulta do esforço a que a cadeia de valor do medicamento tem sido submetida, que já superou em muito a capacidade económica dos operadores. E, como é público, tem produzido efeitos colaterais graves no setor.

Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho

[1] Sem demagogias, também se poderia sugerir o mesmo aos tribunais, nomeadamente o de Contas! A eficiência é necessária, desde que não comprometa a qualidade.

[2] O que importa é que todos recebam o tratamento que carecem; esse estudo é que será útil.

Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde

[1] A escolha de 1500 cidadãos por médico de família foi calculada, na legislação inicial, na base de 3 consultas ano, em 4 horas diárias, 4 consultas hora (15 minutos em média por consulta), 250 dias no ano. Escolha esta a ser adaptada pela experiência, o que nunca foi feito.

[2] Sim, se corresponder a uma mudança de comportamento dos hábitos dos médicos que quase sempre receitam em demasia. Não, se significar apenas que o doente não tem dinheiro para pagar toda a receita.

António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João

[1] É um disparate.

[2] É uma boa notícia do ponto de vista financeiro. Uma má notícia porque mostra aumento da prescrição.

Purificação Tavares, médica geneticista, CEO CGC Genetics

[1] Mas terá o Tribunal de Contas competências para regular a duração de consultas médicas, para além de uma função apenas estatística? Numa consulta há aspetos pessoais críticos que muitas vezes não se consegue abordar em 15 minutos.

[2] A venda aumentou, mas o custo desceu 25% desde 2008, o que é um indicador de que houve negociação entre as partes.

Miguel Guimarães, Presidente da Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos

[1] Não é uma boa sugestão nem o Tribunal de Contas tem competência técnica para se pronunciar sobre esta matéria. Tempos de consulta pré--definidos são contrários à essência da humanização da própria Medicina.

[2] Depende do ponto de vista. Uma boa notícia seria se todos os doentes e não apenas alguns tivessem acesso aos medicamentos que realmente necessitam. Temo que muitos doentes não cumpram a terapêutica prescrita por não disporem de recursos financeiros.

Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde

Não foi possível contar com o contributo de Isabel Vaz nesta edição.

Redação