Alberto Castro

Fatos e factos

": Nota de esclarecimento visando ao restabelecimento da verdade dos fatos". Assim, nem mais nem menos, com os dois pontos a abrir e uma indicação de publicidade paga, se encabeçavam as duas páginas centrais da última edição do "Expresso". Um título enigmático. De que se trataria? Mesmo falando-se de fatos, não parecia que estivesse em causa uma inovação em tecidos, pelo que me passou pela cabeça que poderia ser uma dessas novas modas revivalistas. Talvez uma alfaiataria que tivesse descoberto o figurino original e quisesse repor a verdade dos fatos, tal como eram no início. Um investimento que, certamente, se pagaria com a venda de uma dúzia dessas fatiotas. Curioso, fui ler. Desilusão! Afinal eram duas páginas de um arrazoado, mais ou menos técnico, tentando esclarecer, na versão dos autores, a verdade dos factos (isso: FACTOS) que terão rodeado a subscrição da dívida da RioForte pela Portugal Telecom. Como a dita subscrição terá ocorrido cá, em Portugal, e o esclarecimento, pelo veículo escolhido, nos era dirigido, estão em causa os factos. Se as partes envolvidas vestiam fatos ou calça e casaco ou, se o seu relacionamento era, ou não, terno, pouco importa. Do mesmo modo que, se o esclarecimento fosse dirigido aos brasileiros, não adiantava saber se as partes envolvidas vestiam ternos ou não, desde que se esclarecesse a verdade dos fatos.

E agora do particular para o geral: a história da gestão internacional está cheia de casos em que a falta de respeito pelos hábitos, costumes e cultura locais conduziu a erros e falhanços, por vezes com implicações muito sérias. Isso foi antes da internacionalização se ter tornado modo de vida das empresas. Essas estórias dão para 10 ou 15 minutos bem-dispostos de uma aula, com o consequente alerta para a necessidade de atender às especificidades do contexto e pouco mais. As empresas e os gestores estão, hoje, muito mais atentos a essas idiossincrasias evitando comprometer, com erros primários, o sucesso da estratégia. O caso em apreço não tem essa relevância. Pode até parecer um pequeno "fait divers", aproveitado por um escriba à míngua de temas. Para outros, mais apressados, será, tão-só, uma outra manifestação dos equívocos gerados pelo novo acordo ortográfico. A estes últimos responderia que nada disto tem a ver com o dito acordo: a diferença de grafia subsiste, reflectindo (que eu continuo a escrever assim!) a diferente pronúncia.

Voltemos à gestão. Como dizia, o caso em análise não terá consequências outras que não um ou outro comentário como este. Mas não deixa de ter significado. Podia brincar. Se alguém, que representa uma empresa no Conselho de Administração de outra, confunde facto com fato, quem nos garante que tenha percebido se tinha, ou não, havido a subscrição de papel comercial da Rioforte (ou Rio Forte ou RioForte - as 3 grafias aparecem quando se faz uma busca na Internet: no esclarecimento de 22 de Julho é Rio Forte, na mensagem do presidente do CA é Rioforte. É tal a trapalhada que tem vindo a ser desvendada que estou para ver se não são sociedades diferentes... Ainda tentei saber se havia um contacto que me pudesse esclarecer mas na página da Internet só lá havia "contatos" - deve ser português do Luxemburgo, local da sede).

Deixemo-nos de brincadeiras que o assunto subjacente é assaz sério, ao ponto de quase ter destruído o pouco valor que restava da PT. Para um observador externo, o comunicado em questão é sintomático, não pelo conteúdo em si, mas pela atitude arrogante e pouco profissional que traduz. E tanto dá se o texto foi escrito apenas pelos dois subscritores ou, como é mais provável, pelo departamento jurídico. Em nenhum dos casos o departamento de relações com os investidores deixará de ter tido conhecimento. Que a todas estas luminárias não tenha ocorrido que, sendo os destinatários portugueses, não seria pior usar grafia e termos comuns entre nós, indicia incúria, a roçar a displicência enfatuada de quem pode e manda. Dir-se-á ser apenas um detalhe. Exagero? Talvez. Dispenso-me de lembrar quem os detalhes escondem.

Alberto Castro