Alberto Castro

Desigualdades

Thomas Piketty diz-lhe alguma coisa? Não, não é o capitão da selecção de Sub-19 de futebol (Tomás - sem h - Podstawski), nem nenhum jogador que Porto ou Benfica estejam a pensar contratar. Nem é, sequer, o nome de uma nova estrela de Hollywood... mas quase. Piketty é um economista francês que se tornou famoso com o livro "O Capital no século XXI", agora editado em português. Trata-se de uma obra monumental (cerca de 700 páginas), cuja versão inglesa atingiu o primeiro lugar de vendas da Amazon entre os livros de economia e gestão, estando nomeado, pelo "Financial Times", para livro do ano. Culmina e sintetiza a investigação que o seu autor tem vindo a fazer e que lhe valeu a distinção de melhor jovem economista europeu. O livro tornou-se num best-seller em resultado da conjugação virtuosa entre a actualidade do tema (a desigualdade na distribuição de rendimentos e riqueza) e uma investigação que coligiu dados para mais de 100 anos, procurando identificar tendências estruturais na sua evolução. Ao longo do tempo, com um ou outro soluço, o balanço foi favorável ao trabalho até que, a partir dos anos 1980, a tendência não só se inverteu como se acentuou a concentração no topo, ao ponto de se passar a falar dos 1% (ou, mesmo, 0,1%) mais ricos, quando antes a referência eram os 5 ou 10%. Mais do que a explicação dessa tendência, que envolve globalização e sistemas de financiamento e poder nas empresas, para o que aqui nos traz releva mais o facto de Piketty não ver uma mudança neste movimento que, pelo contrário, tenderia a acentuar-se.

Pela sua seriedade, o trabalho tem sido elogiado mesmo por aqueles que dele discordam constituindo um exemplo quase único. Na verdade, a questão da (des)igualdade é polémica. Caricaturando, dir-se-ia que, num extremo, estarão os igualitaristas empedernidos que se recusam ver no que deu a tentativa de a transformar em regime. No outro, os que consideram que tudo se reconduz ao objectivo mítico da igualdade de oportunidades.

Que estamos num Mundo de contradições e dificuldades não restam dúvidas. Ao mesmo tempo que, nos países desenvolvidos, nos queixamos do aumento das disparidades, as estatísticas mundiais evidenciam, nos últimos 20 anos, uma redução sistemática das desigualdades fruto do crescimento económico de países muito populosos como a China, Índia e, mesmo, Brasil. Brasil onde, contudo, Dilma Rousseff deve a sua vitória na primeira volta não tanto ao PIB mas à política activa de apoio aos mais pobres que terá tirado mais de 30 milhões da miséria.

A importância da desigualdade é um pouco como as bruxas, mesmo os que a desvalorizam acabam por se convencer da sua importância. Os mais renitentes dirão que, com aquela política, o Brasil hipotecou o seu futuro. Só que começam a faltar provas que sustentem estas teses, salvo se considerarmos que a democracia é apenas um pormenor descartável. A desigualdade é, no essencial, uma questão moral e política. Hoje, porém, é evidente que, pelo menos a partir de um patamar, se torna igualmente uma questão económica o que é reconhecido, por exemplo, pelo FMI ou a Standard & Poor"s, instituições insuspeitas de serem de esquerda... A questão é suficientemente importante para justificar que a ela voltemos. Em qualquer caso, reitere-se que é a esta luz que o recente aumento do salário mínimo também deve ser discutido. O mesmo se diga das políticas de discriminação positiva nos apoios à educação dos mais carenciados, entendida aquela não apenas no sentido literal mas também, por exemplo, em termos alimentares, de higiene e saúde. E há-de, ainda, incluir, no nosso caso, a dimensão territorial do (não) desenvolvimento. Tudo isto custa dinheiro, dirão. No curto prazo, sim. Em parte, também, pela pressão colocada nas políticas redistributivas quando prevalece uma visão míope que descura as consequências sistémicas do acentuar da desigualdade. A experiência diz que, se os contribuintes perceberem como, e em que, são gastos os seus impostos, estarão mais disponíveis para os sacrifícios do que se antecipava. A regra mantém-se: na política pública, a transparência é essencial.

Alberto Castro