Teria sido Chopin para os nossos ouvidos. Mas não foi. Porque, infelizmente, não aconteceu. Resultou, apenas, numa cacofonia pomposa, chavões gastos e tiradas politicamente corretas que soam bem em várias línguas.
No discurso que marcou a despedida à frente dos destinos da Comissão Europeia, Durão Barroso bem se esforçou para dar um cunho histórico à sua década política, mas só mesmo ele deve acreditar na tese de que a Europa de hoje está mais forte e unida do que sucedia em 2004, quando começou, em Bruxelas, a aventura inesperada do então primeiro-ministro português.Contemporizemos. A vida de Durão Barroso na Comissão Europeia não foi pera doce. Poucos resistiriam incólumes à força destrutiva de um furacão tridimensional. Foi assim: crise financeira+crise da dívida soberana=crise económica praticamente sem precedentes. A juntar a isto, ainda lidou com um drama constitucional - com os avanços e recuos do tratado europeu - e uma batata quente geoestratégica, após a invasão russa da Ucrânia. Por tudo, a fragilidade evidenciada pelo bem sonhado projeto europeu exigia uma personalidade liderante. Por forma a que o ideal romântico de uma só casa para 500 milhões de europeus não desmoronasse. Esteve quase.
Não se esperava que Durão, dotado de poderes sobrenaturais, fosse capaz de mudar sozinho o rumo da Europa. A pancada foi demasiado violenta. Dizer que outro no seu lugar teria feito melhor é apenas especular. Mas o pecado que o agora cessante líder da Comissão Europeia diz não ter cometido - a submissão incondicional à austeridade - depressa passou de original a terminal. Na realidade, a cura injetada no soro do doente acabou por matá-lo. O sacrossanto Pacto de Estabilidade e Crescimento ficou-se pela metade. A da estabilidade.
Ontem, Durão reconheceu essa ausência de fleuma, justificando-a com a discrição que sentiu necessidade de promover, para não assustar ainda mais os mercados, essas entidades sem rosto que foram largando vítimas a seu bel-prazer. A Europa de Durão não teve uma verdadeira voz política. Não falou alto com medo que os mercados ouvissem. Dividiu-se, consoante os assuntos e os momentos, entre Barroso, Merkel, Hollande e os outros. A Europa inclusiva é, hoje, uma manta de retalhos de interesses particulares de estados, sobretudo do alemão, que é quem verdadeiramente ostenta a batuta que rege a orquestra.
Durão tem razão quando afirma ter conseguido evitar a bancarrota de alguns países europeus, entre eles o nosso. Mas essa, diria eu, não é propriamente uma medalha que alguém goste de ostentar na lapela. Em especial porque essa "vitória" teve uma consequência nefasta: mais de 26 milhões de desempregados e uma profunda crise social, que transformou os europeus do Sul em bandidos e os do Norte em fidalgos. À reiterada pergunta "como sair da crise?", a Europa de Durão Barroso não encontrou uma resposta satisfatória. A Alemanha puxa para um lado, a França e a Itália, a acordar do coma induzido, tentam puxar para outro. É certo que o euro sobreviveu para contar a história. Mas à custa de quê? E de quem?
Auf wiedersehen, goodbye, au revoir, adeus, Durão Barroso. Quantos de nós querem dizer obrigado?