Inês Cardoso

Fora de jogo

Os holofotes que se viraram sobre si no início do mandato estão agora mais apagados, mas Alexis Tsipras continua a protagonizar uma luta de desfecho imprevisível, na qual todos os países da Zona Euro estão particularmente interessados. É claro que o tema é bem mais difícil de explicar do que as regras de futebol e bem menos emocionante do que o saque a um armazém de um clube ou uma batalha campal entre adeptos e polícias, mas o impacto que poderá vir a ter na nossa economia merece que lhe dediquemos um pouco de atenção.

Ontem, o ministro do Interior, Nikos Voutsis, afirmou que o reembolso ao FMI em junho, no valor de 1600 milhões, não será feito "porque não há dinheiro". Razão mais crua que esta não há e o primeiro-ministro continua a afirmar que não cede em pontos como os cortes salariais, a liberalização do mercado de trabalho e a reforma do IVA. Segundo Tsipras, só existirá acordo com os parceiros internacionais sem cortes adicionais, com reestruturação da dívida e um pacote de financiamento para impulsionar o crescimento económico.

O discurso dominante tem apontado a austeridade como único rumo possível, mas o histórico de desequilíbrios nas contas de tantos estados obriga a questionar esse dogma. De acordo com a Eurodad, uma rede de organizações não-governamentais, desde os anos 1950 houve 600 reestruturações da dívida soberana. Muitos desses países mergulharam em recessão, na sequência de políticas de austeridade e do colapso na confiança de investidores e consumidores.

Não sendo um parceiro com assento na mesa das negociações ou com dinheiro para emprestar, a ONU tem vindo a trabalhar sobre este problema. Ao contrário do FMI, a Assembleia Geral das Nações Unidas não é dominada por grandes potências do Mundo e cada país tem um voto. Quando no outono passado a Argentina apresentou uma moção pedindo para analisar a questão da reestruturação da dívida soberana, apenas 11 membros votaram contra. Mas esses mesmos 11 países representariam, no FMI, 45% do poder de voto.

Na sequência desse resultado foi criada uma comissão ad hoc presidida pelo boliviano Sacha Llorenti, que tem andando pelo Mundo apregoando a responsáveis políticos que esta não é apenas uma questão financeira, mas de "desenvolvimento e de direitos sociais e económicos". As soluções deveriam, por isso, ser mais negociadas e capazes de permitir a recuperação das economias atingidas. Sem uma nova abordagem, estamos cada vez mais entregues a negociações feitas de chantagem e ultimatos.

INÊS CARDOSO, SUBDIRETORA