Cultura

A Festa que dá vida nova a aldeias em risco

Há aldeias esquecidas nas amarras do tempo a despertarem para uma nova vida. Berço de costumes, tradições e gastronomia singulares, muitas vezes agarradas por um ténue fio cuja entidade própria ameaça desaparecer a qualquer momento, estes lugares de expressão rústica estão a ganhar um novo fôlego.

Na aldeia de Porto Carvoeiro, na Feira, o Santo padroeiro, S. Lourenço, esteve vários anos "enclausurado" na pequena capela local fazendo esquecer a afamada procissão onde era transportado pelos caminhos da aldeia num andor em forma de barco, suportado por homens locais vestidos de marinheiros.

Aquele lugar de beleza única junto às margens do Rio Douro parecia definhar e perder o encanto de outros tempos. Até os habitantes, outrora unidos no desenvolvimento local, andavam muitas vezes de costas voltadas.

Mas no ano de 2013, S. Lourenço saiu finalmente à rua. Os jardins da aldeia ganharam mais cor e até alguns elementos das famílias há muito desavindas juntaram-se à mesma mesa.

O "milagre" operado naquela aldeia teve a mão de um projeto pioneiro que arrancou nesse ano. "Há Festa na Aldeia [HFA]", uma iniciativa da Associação de Desenvolvimento Rural Integrado das Terras de Santa Maria (ADRITEM) e ao qual se juntou mais recentemente a Associação de Desenvolvimento Rural das Terras do Sousa (ADER-Sousa), foi o mote para estimular a população desta e de outras aldeias para a troca de saberes e a criarem novas oportunidades de vida.

"O projeto que trouxeram foi uma mais-valia para o lugar", confirma Celso Bento, um dos moradores de Porto Carvoeiro. "A festa cultural que fazem é muito boa e adorei a ideia", acrescenta aquele habitante, que se tem destacado pela dedicação à iniciativa.

"A ADRITEM está sempre a pedir para as pessoas virem às reuniões" recordou Celso Bento referindo que, através destes encontros, foi possível organizar a festa anual e lançar as bases para a criação de uma associação de moradores.

Os exemplos das oportunidades criadas e dos costumes recuperados são também marcas acentuadas noutras aldeias que fazem parte do projeto.

Em Vilarinho de S. Roque, Albergaria-a-Velha, Dona Edviges Silva de 76 anos recordava com dificuldade as letras e cadência de algumas das cantigas que cantarolava nas suas idas ao monte para apanhar a carqueja para os animais.

Quando foi chamada pela iniciativa do HFA para fazer parte de um grupo de cantores a memória avivou-se. "Já ninguém cantava as músicas do antigamente e poucos se lembravam", conta. "Mas depois lá conseguimos recuperar as letras", referiu, orgulhosa, lembrando que foram muitos os que tiveram desta forma oportunidade de ouvir aquelas cantigas quase esquecidas.

Em Vilarinho de S. Roque não foram só as memórias das canções antigas recuperadas. Os campos de cultivo, por exemplo, voltaram a cobrir-se de linho. "Já há mais campos com sementeiras de linho", garante João Bastos, outro habitante. "Havia muitas pessoas que não sabiam sequer o que era o linho", um cultivo local que em tempos teve forte expressão, mas que estava a desaparecer.

Até as compotas, mel e outros doces caseiros que ele e a mulher, Luísa Coutinho, produzem são vendidas, agora, em maior número. "Há mais pessoas a visitar a aldeia depois da festa e a comprar os produtos", explicou.

Um acréscimo de turistas que atribuiu à iniciativa "almoce e jante connosco", uma das muitas do HFA, em que o casal abriu a casa a forasteiros que almoçaram e jantaram em sua casa. "Ganhamos novas amizades e aumentou o número de turistas que andam pela aldeia", disse.

Já em Oliveira de Azeméis, a intervenção realizada na freguesia de Ul foi uma oportunidade para Eugénia Silva dar um passo decisivo no negócio dos doces que, juntamente com a filha, confeciona com mestria.

"A primeira participação correu muito bem e surgiram outros convites", recorda Eugénia. "A presença na iniciativa impulsionou o negócio que cresceu", garantiu.

Satisfação comungada por Albertina Loureiro da Freguesia de Vila Fria, Felgueiras, cujo Lugar de Burgo também está contemplado com a intervenção do HFA.

Com 59 anos, esta bordadeira de filé já não bordava desde os 11 anos. "Foi uma ideia maravilhosa, porque era uma tradição que se estava a perder", disse.

Agora, junta-se com outras vizinhas na Junta de Freguesia de Vila Fria e preparam os artigos em filé que serão vendidos na próxima festa.

"Estamos a confecionar coisas mais modernas em filé como pulseiras e colares", explicou.

Relatos comuns da satisfação dos moradores das aldeias intervencionadas que resultam da sua própria dedicação, mas também do trabalho dos técnicos do HFA.

Criam em cada aldeia um grupo de trabalho que se reúne com uma comissão de representantes do lugar, coletividades, Junta de Freguesia, Município e ADRITEM. É depois definida a estratégia de desenvolvimento local da aldeia, bem como a sua implementação.

Oficinas temáticas, formação musical, teatro, gastronomia e a recuperação de tradições esquecidas são apenas alguns dos instrumentos com os quais o HFA sensibiliza as populações locais para a importância de dar um novo fôlego às aldeias entorpecidas pelo tempo.

Salomão Rodrigues