1. Não há dor mais funda, mais dilacerante, mais pobre de adjetivos do que a da perda de um familiar, de um amigo ou de um vizinho. Nada mais incompreensível do que o fim de vidas que procuravam um sentido. De mortes que, mesmo à distância dos afetos, nos têm de dizer algo. Porque os portugueses que morreram a caminho das famílias, dos amigos e dos vizinhos são retratos a preto e branco, dolorosos, de um país ensimesmado que não dá saída a milhares que querem algo mais do que a côdea de broa e um copo de vinho.
Não. Não é demagogia. O luto não a permitiria. Não podemos é ficar indiferentes à tragédia colhida a meio caminho de Portugal daqueles 12 emigrantes. Havia ali histórias de vida que nos trazem à memória todas as estradas da morte que enlutam estes dias festivos.
Construir um país melhor passa por criar condições aos seus cidadãos para que permaneçam. Para que sintam que vale a pena permanecer. E nos últimos anos temos sentido tudo menos vontade de ficar. E, sim, continuaremos a ter emigrantes e a chorar em letras de jornal os pontos negros das estradas, a culpa do cansaço pela ânsia de chegar depressa, ou os carros sobrelotados. Mas pelo menos não carregaremos esse fardo de sermos um povo que não se constrói.
É também na esperança que reside a simbologia destes dias de ressurreição. Na necessidade de chorar, mas sobretudo de acreditar que é possível construir um mundo novo e mais justo.
2. Vivemos tantos lutos, que é difícil termos olhares de fé. Não apenas a fé cristã. Mas a fé na Humanidade. Em nós próprios, tantas vezes. Os lutos dos atentados terroristas e da guerra de medo às nossas liberdades e à edificação dos alicerces frágeis da paz. Os lutos por esses outros migrantes ou refugiados, conforme a adjetivação nos serve de consolo à consciência, que todos os dias soçobram em barcaças lotadas ou em campos miseráveis que nos arrastam para outras fotografias a preto e branco, de outros tempos, de outros campos, de outros extremismos, mas que parecem os mesmos, ou se alimentam dos mesmos.
É perante este cataclismo angustiante de incerteza que também não podemos ficar indiferentes aos gestos do Papa Francisco. Não por sermos católicos, ortodoxos, muçulmanos, hindus ou refugiados. Mas por termos podido ser, ou por os nossos filhos ainda poderem ser, ou sermos, dependendo das estradas da vida de cada um.
"Os gestos falam mais do que as imagens e do que as palavras. Os gestos". As palavras do Papa estão sempre carregadas desses gestos. Quando fez a primeira viagem a Lampedusa, ilha que esteve tanto tempo no mapa das notícias, marcada pelo fluxo de refugiados. Ou nesta Semana Santa, quando apelou à paz na cerimónia de lava-pés a oito homens e quatro mulheres de diferentes credos e dores.
Os gestos em que vale a pena pensar. E agir. Nem que seja apenas hoje. Só assim a Páscoa se enche de sentido.
*DIRETOR-EXECUTIVO