Centenas de pessoas gritam, eufóricas, em torno de um ringue onde um homem bate noutro homem, já caído no chão, sem se defender. Centenas percebem depois que assistiram a um homicídio legal. Pode isso ser possível?
O trágico final do combate no Estádio Nacional de Boxe de Dublin, Irlanda, na noite da passada segunda-feira, reacende o debate sobre os limites da violência de um desporto violento.
Desde que as Artes Marciais Mistas (MMA) foram legalizadas em todos os estados norte-americanos, em 2001, morreram cinco atletas em combates profissionais.
O português João Carvalho já faz parte desta estatística. Ainda em combate, mas já no chão, sem capacidade de defesa, sofreu nove murros do seu adversário, Charlie Ward, até o árbitro considerar que era suficiente. E a luta terminou. Os fãs ao rubro no estádio. Passadas 48 horas, João Carvalho morria no hospital de Beaumont.
Também assim morreram o congolês Booto Guylain, em 2014, após complicações de um hematoma no cérebro, e Tyrone Mims, em 2012. Assim morreram os norte-americanos Michael Kirkham (2010) e Sam Vasquez (2007), vítimas de hemorragias cerebrais.
As estas mortes somam-se pelo menos mais nove, no mundo dos combates amadores. Fora do ringue, três atletas perderam a vida no processo de perda de peso.
A morte do lutador português será agora alvo de uma investigação, mas dificilmente será criminalizada, uma vez que aconteceu no contexto de uma atividade desportiva e que, ainda por cima, goza de grande popularidade entre os seus adeptos e envolve um mercado que movimenta valores elevados. A própria equipa de João Carvalho já veio garantir publicamente que foram cumpridas todas as normas de segurança. Será isto suficiente para legitimar uma morte?
As regras das MMA têm vindo a ser aperfeiçoadas ao longo dos anos, em parte, reagindo às suas próprias fatalidades. Mas o que agora volta a questionar-se são as fronteiras do que é aceitável num desporto que, por definição, implica várias técnicas de agressão de um ser humano sobre o outro.