Emprego cria-se com crescimento económico e não com subsídios dados às empresas, acredita Monteiro Fernandes.
Professor catedrático na área laboral, antigo secretário de Estado e responsável pelo Livro Branco subjacente à reforma do Código do Trabalho de 2009, lamenta que hoje exista uma "cultura de desperdício" decorrente da crescente precariedade. Sobre a Região Norte, critica "a forte tradição de contenção salarial" que faz com que os trabalhadores tenham salários mais baixos do que a média, em Portugal.
O Norte continua a ter mais desemprego do que o resto do país e, apesar de haver hoje mais trabalho do que há dois anos, a região atrasa-se na recuperação do emprego, em comparação com Portugal. Porquê?
É difícil explicar isso, mas a especial concentração de indústrias tradicionais, servidas por pessoal não qualificado ou pouco qualificado, que havia e ainda há na Zona Norte do país é seguramente uma circunstância a considerar. A evolução estrutural que, apesar de tudo, a economia portuguesa tem experimentado implicou um processo muito amplo, e ainda em curso, de eliminação de postos de trabalho com perfis baixos de qualificação. A enorme dimensão do desemprego de longa duração relaciona-se com isso. Ora esse processo tem uma grande incidência no Norte do país.
Na Região Norte, há mais desemprego de longa duração do que no resto do país. Deve haver medidas de incentivo ao emprego específicas para cada uma das regiões?
Vem bater a má porta. Sou muito descrente das políticas de incentivo à criação de postos de trabalho. Normalmente, trata-se de empregos fictícios que se volatilizam quando cessa o incentivo. Às vezes, ajuda-se a tesouraria das empresas, mas não propriamente o emprego. A única maneira de criar emprego de forma consistente é promover o crescimento económico. Quanto ao Norte, se me fala de incentivos, eu preferiria que se dirigissem ao investimento e à localização de atividades económicas.
Portugal corre o risco de ver a economia a crescer sem criar trabalho?
É, no fundo, o que está a acontecer já. O crescimento económico que se verifica, embora muito modesto e insuficiente, pouco ou nenhum reflexo sensível tem tido na evolução do emprego. Desde que entrámos nos dois dígitos de desemprego, nunca mais de lá saímos. O que está em causa, a traço grosso, são opções fundamentais acerca do modelo produtivo nacional e da sua combinação com o sistema de ensino e qualificação profissional. Neste momento, nada joga com nada.
Comparando com o início do milénio, o Norte tem hoje menos 86 mil contratos de trabalho estáveis e mais 85 mil precários. A nível nacional, há menos 33 mil contratos sem termo e mais 185 mil a prazo. A precariedade laboral é uma tendência imparável?
Parece que sim, e não só em Portugal. É uma tendência universal que gerou numa cultura gestionária de desperdício. A precariedade desincentiva a formação contínua, faz perder valores de experiência e de perícia, gera o stress e o medo que não são, propriamente, amigos da qualidade no desempenho profissional, e por aí fora. Mas é uma realidade muito enraizada em convicções que se cobrem, invariavelmente, mas injustamente, com a globalização das finanças e do comércio.
Em 2014, um trabalhador no Norte ganhava menos 126 euros por mês, antes de impostos, do que a média do país. E a diferença chegou a ser maior durante os anos mais duros da crise. Sendo a região mais exportadora, porque é que os seus trabalhadores são mais mal pagos?
Não sei se o Norte continua a ter a maior concentração de Ferraris no país... De qualquer modo, parece que essa diferença terá de se explicar sobretudo pelo predomínio de atividades produtivas com baixo valor acrescentado - e talvez também por uma forte tradição de contenção salarial que não existe tão claramente noutras regiões do país.
No Norte, está a cair a pique o número de trabalhadores da construção civil, funcionários públicos e serviços de segurança. Por outro lado, dispara o emprego nas tecnologias de informação e comunicação, na saúde e cuidados pessoais, por exemplo. O sistema de ensino está a adaptar-se o suficiente às mudanças no mercado de trabalho?
A evolução que refere parece favorável, quer pelo facto de registar opções por áreas tecnicamente sofisticadas e portadoras de modernidade, mas também por colocar em evidência setores - saúde e cuidados pessoais - onde existem, manifestamente "jazidas de emprego" em grande parte inexplorados. Quanto ao primeiro aspeto, parece evidente que o sistema de ensino tem sido sensível às oportunidades que o mercado de trabalho oferece.