Atinta da censura salazarista apagou dois frescos do pintor Júlio Pomar da recente memória da cidade do Porto. As obras, que nasceram nas paredes do edifício do Cinema Batalha, em fase final de construção, nos anos de 1946 e de 1947, desapareceram poucos meses depois da inauguração do equipamento. Actualmente, com o prédio em obras para a reabertura em Janeiro, encetou-se a busca pela recuperação dos frescos. Já surgiram os primeiros sinais.
Uma equipa técnica encontra-se, neste momento, a trabalhar no edifício do Porto. O objectivo principal é trazer, de novo, à luz do dia as duas obras de Júlio Pomar, que a censura decidiu apagar. O fresco mais pequeno foi pintado no andar superior (numa parede junto ao segundo balcão do cinema). A outra obra, de maior dimensão, ocupava parte significativa da parede do "foyer " principal do Batalha, projectado pelo arquitecto Artur Andrade, falecido recentemente.
Expondo-se numa área de cerca de 100 metros quadrados, o fresco do pintor gozava de grande visibilidade. Foi a primeira grande pintura mural de Júlio Pomar e, na parede do Batalha, eternizou a alegria popular das tradicionais festas sanjoaninas com balões, fogueiras, tambores e a dança de crianças e de adultos. Apesar do pintor já ter confessado que esta obra não tinha cariz política, não foi, no entanto, entendida desse modo e a mão da censura mandou pintar as paredes, poucos meses após a inauguração do Cinema Batalha, que abriu as portas no início de Junho de 1947.
Apoio do Governo
O gabinete "Comércio Vivo", que está a recuperar o antigo edifício para reabrir o equipamento, fechado no Verão do ano 2000, com nova vocação de centro de lazer, quer reencontrar Pomar nas paredes.
"O meu pai [arquitecto Artur Andrade] garantiu-me que existiam esses frescos. Foi com essa garantia que procurámos pessoas na área da recuperação para fazer a pesquisa. No início, não estava a ser fácil. Encontrámos imagens do maior fresco de Júlio Pomar na Biblioteca Municipal do Porto", assinala, ao JN, Laura Rodrigues, presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, que integra o "Comércio Vivo".
Nos últimos dias, surgiram alguns sinais do fresco desaparecido. "Se obtivermos a certeza de que este fresco magnífico que ocupava toda a parede é recuperável, iremos solicitar apoios ao Ministério da Cultura" para cumprir essa tarefa, acrescenta Laura Rodrigues. Assim, recuperar do esquecimento a obra que Júlio Pomar realizou em dois tempos - como esteve preso, o cinema foi inaugurado com o fresco incompleto e só foi acabado quando saiu da prisão - para todos os portuenses que nunca tiveram a oportunidade de conhecê-lo.