Paula Ferreira

A heresia do burquíni

A França tem um problema sério com a sua população muçulmana. Há muito tempo; não surgiu com os atentados de Paris. Agora, deixou de ser um problema francês, estendendo-se a toda a Europa.

Ainda estão bem presentes na nossa memória as intifadas levadas a cabo nos bairros periféricos, estigmatizados e problemáticos de grandes cidades industriais francesas. Foi o primeiro aviso sério de que entre os muçulmanos, sobretudo os de segunda geração, se gerava um barril de pólvora pronto a explodir. Aí, como agora, eles eram os outros - e nunca deixaram de o ser.

O problema avoluma-se e a França parece não saber como lidar com ele. A diferença a viver em França, manifestada por gente já nascida em França, era olhada de soslaio. Hoje, deixou de ser tolerada. O Conselho de Estado, órgão superior da justiça francesa, decide hoje se aceita a decisão de vários municípios de proibir os burquínis - uma veste que cobre todo o corpo e permite às mulheres muçulmanas irem à praia. Manuel Valls, o primeiro-ministro, manifesta-se a favor da proibição, considerando o burquíni um "símbolo de proselitismo religioso que aprisiona a mulher". Fala como se nós, europeus, que vamos à praia de biquíni ou sem qualquer peça de roupa a cobrir o corpo, fôssemos donos absolutos da verdade.

Curiosamente, as mulheres do seu Governo, sem qualquer constrangimento, manifestam-se contra a proibição. As ministras da Educação e da Saúde defendem: as proibições não são bem-vindas, e alertam para a estigmatização perigosa que pode pôr em causa a coesão da França.

A proibição do uso do burquíni contribuirá para o aumento da segurança em França? Não parece. Pelo contrário, poderá, quando muito, empurrar essas mulheres para um reduto fechado, aprisioná-las mais nas suas tradições seculares e afastá-las de um processo de integração difícil. Como dizia a criadora do burquíni - peça de roupa que, após as primeiras multas nas praias francesas, esgotou no Reino Unido -, ele "foi criado para dar liberdade às mulheres e usá-lo é uma opção nossa".

Manuel Valls emaranha-se num problema de difícil solução. O caminho que está a trilhar não será certamente sábio.

* EDITORA-EXECUTIVA-ADJUNTA

PAULA FERREIRA *