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S. João e INEM vão colher órgãos de quem morre na rua

As vítimas de paragem cardíaca na rua ou em casa são agora potenciais dadores de rins e fígado Rui Oliveira / Arquivo Global Imagens

As vítimas de paragem cardíaca na rua ou em casa são agora potenciais dadores de rins e fígado.

A experiência já foi testada com sucesso pelo Centro Hospitalar de S. João, no Porto, que assina esta sexta-feira com o INEM e o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) um protocolo de um projeto de colaboração pioneiro que ajudará a colher mais órgãos na Área Metropolitana do Porto.

Ao contrário do que acontece com os dadores em morte cerebral, dos quais é possível aproveitar órgãos e tecidos, nos dadores de coração parado apenas era possível colher tecidos porque sem circulação sanguínea os órgãos morrem mais rapidamente.

Recentemente, perante casos de reanimação cardíaca irreversíveis, o Centro Hospitalar de S. João testou o uso de uma máquina que bombeia e oxigena o sangue fora do corpo (ECMO) para preservar os órgãos abdominais da vítima, nomeadamente os rins e o fígado. Estes recuperam a sua vitalidade e podem ser aproveitados para transplante, explicou ao JN, Ana França, vice-presidente do IPST. A novidade é também o envolvimento do INEM em todo este processo, de modo a aproveitar as vítimas do ambiente extra-hospitalar.

Num caso de paragem cardíaca, a equipa médica do INEM não desiste das manobras de reanimação mesmo quando o cenário é irreversível. A vítima é transportada ao hospital, ventilada e sujeita a massagens ritmadas por um compressor cardíaco automático. "No hospital, se não há qualquer sinal de reversão da paragem cardíaca, são suspensas todas as medidas de reanimação por uns momentos e é declarado o óbito. A partir daí, faz-se a utilização do ECMO para recuperação dos órgãos abdominais", detalha Ana França. O pâncreas não é aproveitável por ser muito sensível e os pulmões envolvem muito mais técnicas, pelo que, por enquanto, só serão aproveitados os rins e o fígado, acrescentou.

No S. João já foi possível colher órgãos de seis dadores de paragem cardíaca, em colaboração com as equipas da viatura médica de emergência e reanimação (VMER) do hospital. O protocolo que será assinado esta manhã pretende envolver todas as VMER da região, nomeadamente do Centro Hospitalar do Porto, do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho e da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que passam a encaminhar estas vítimas para o Hospital de S. João.

A responsável pela área da transplantação do IPST sublinha que este deve ser um meio complementar para a transplantação, não devendo ser descuradas as potencialidades dos dadores em morte cerebral. Ana França elogia os passos dados pelo Hospital de S. João e gostaria de replicá-los em Lisboa, nomeadamente no Hospital de Santa Maria, que também tem uma máquina ECMO, mas por enquanto "ainda não há condições e organização para isso".

INÊS SCHRECK