Adivinha-se o fim da Quaresma quando em muitas das janelas das casas vareiras surgem colados panfletos a anunciar que se aceitam encomendas do famoso pão-de-ló, a iguaria doce que há muito leva o nome de Ovar a todos os cantos do mundo. Hoje, estima-se que haja cerca de três dezenas de produtores com casa aberta ao público, pessoas dedicadas à comercialização daquele doce. No entanto, serão muitos mais os que, por esta altura do ano, se aventuram na arte secular de bem fazer o pão-de-ló de Ovar.
A fama da iguaria é tal que são muitos os que, por esse Portugal fora, juntam ovos, açúcar e farinha e procuram criar "cópias" do doce. E é exactamente por essa razão que a Câmara Municipal de Ovar se empenha, desde há já alguns anos, mas agora mais em força, em certificar o produto "Pão-de-ló de Ovar", para que mais ninguém possa usar aquela marca, de forma a que o prestígio do produto tipicamente vareiro não seja desvirtuado.
Tentativa gorada
Se em 1999, altura em que o actual presidente da Câmara, Manuel Oliveira, então vereador da Cultura, acabou por esbarrar com a falta de consenso entre produtores, a Autarquia acredita agora que será possível obter a certificação.
"Julgo que agora os produtores estão mais conscientes que, hoje, vivemos a batalha pela qualidade. E só se ganha essa batalha, se se cumprirem critérios rigorosos, por exemplo, no que respeita à higiene na produção e à qualidade dos ingredientes", explicou Manuel Oliveira. "Os consumidores exigem cada vez mais a garantia de que não estão a comer gato por lebre. Se queremos dar uma ainda maior projecção ao pão-de-ló de Ovar, temos de ser capazes de garantir aos consumidores essa qualidade", acrescentou.
No entanto, o desejado consenso entre produtores continua difícil de alcançar quando, logo à partida, todos terão a obrigação de dar a conhecer as suas receitas. E é aí que reside o busílis da questão.
Se alguns fabricantes até vêem com bons olhos a certificação e até a criação de uma confraria, outros, sobretudo os produtores mais antigos, olham o processo de forma desconfiada. Admitem que haja uma grande dose de oportunismo por parte dos que se iniciaram no negócio há poucos anos.
Sem querer entrar em polémicas, Luiz Duarte, fabricante do internacionalmente famoso pão-de-ló "São Luiz", com mais de 200 anos de história e prestígio, é um dos primeiros a não aceitar as condições impostas para a certificação. "Quem iria nivelar a qualidade do produto? E se fosse nivelado por baixo, em comparação com o nosso, só nos faria perder qualidade, clientes e prestígio", asseverou.
"A nossa marca está patenteada desde 1950 e foi conquistada ao longo de mais de dois séculos de muito esforço. Para alcançar o prestígio que hoje tem foram precisos muitos anos. Não precisamos da certificação para os nossos clientes terem a certeza que o pão-de-ló «São Luiz» tem qualidade. Para dizer a verdade, acredito piamente que o nome de Ovar chegou a todos os cantos do mundo sobretudo graças a nós", enalteceu Luiz Duarte.
A ausência de Luiz Duarte no grupo dos produtores interessados na certificação poderá, na opinião de Hugo Malheiro, da "Casinha do pão-de-ló", deitar por terra o processo de certificação. "Se ele, que devia ser o timoneiro deste projecto, é o primeiro a não aceitar as condições, não acredito que isto vá para a frente", esclareceu. "No entanto, julgo que seria importante para os produtores e para os consumidores terem uma garantia de qualidade e de exclusividade", concluiu Hugo Malheiro.