Esta crónica inicia a colaboração do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) com o "Jornal de Notícias" e, cabendo-me a mim a sua autoria, irei falar sobre a economia paralela (não registada ou sombra) em Portugal. Trata-se da economia cuja atividade, usualmente fruto de comportamentos marginais e desviantes, não é medida pela contabilidade nacional, está em constante mutação e incorpora a economia subterrânea, a ilegal, a informal, o autoconsumo e a subcoberta por deficiências estatísticas.
A economia subterrânea acomoda as atividades que não são contabilizadas para evitar o pagamento de impostos e contribuições, e a economia ilegal reporta atividades ilícitas, pelos fins ou meios usados. Ambas refletem a fraude, o branqueamento de capitais, os conflitos de interesse, o uso de informação privilegiada, a desregulação e o enfraquecimento do Estado. A economia informal e o autoconsumo comportam atividades associadas a estratégias de melhoria de condições de vida das famílias ou de sobrevivência.
Os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas a economia subterrânea, acabando, portanto, por subestimar o objeto. Mas perguntarão: como medir o "invisível" (algo que, note-se, acontece com parte do PIB oficial)? Há basicamente dois grupos de rigorosos e testados métodos estatísticos capazes dessa medição: monetários e de variável latente. Recorrendo a estes métodos, o OBEGEF tem revelado uma tendência de aumento da economia paralela desde 1970. Em 2015, por exemplo, representou 27,29% do PIB oficial e correspondeu a 49 mil milhões de euros, valor capaz de suportar o orçamento do Ministério da Saúde durante cinco anos!
Entre as principais causas do incremento recente em Portugal salientam-se a taxa de desemprego e a enorme carga fiscal, que incentivaram: manipulações contabilísticas; relatórios fraudulentos com subfaturação, sobrefaturação e operações internacionais fictícias, sobretudo para a UE para receber o IVA; a existência de empresas-fantasma; a utilização de paraísos fiscais para evitar impostos; e o uso de informação privilegiada. Como principais consequências realça-se a distorção na concorrência entre empresas, a redução das receitas fiscais - logo, a degradação das contas públicas e do investimento e, assim, do crescimento e da redistribuição -, e a incerteza na estabilização da economia.
Face a tudo isto, como é possível entender, por exemplo, a falta de transparência na gestão dos recursos públicos, a lentidão da justiça, a suposta permissão do branqueamento de capitais, a não implementação do crime de enriquecimento ilícito e a aparente falta de vontade política em atuar?
* PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO DE ECONOMIA E GESTÃO DE FRAUDE