Pedro Ivo Carvalho

Cocktail moloTrump

Já passou um mês? Ainda só passou um mês? Como na ladainha do copo meio cheio ou meio vazio, também os julgamentos se extremam quando toca a sumariar os primeiros 30 dias do mais impreparado e impopular presidente dos Estados Unidos da América da história. Já estamos cansados de Donald Trump, mas parece que não conseguimos cansar-nos dele. Em matéria de ação política, as teorias mais catastrofistas estão por provar, mas as mais contemporizadoras foram pulverizadas. Não há meio-termo possível, quando testamos os níveis de adrenalina nesta montanha-russa de contradições (é favor ler a referência geopolítica de forma literal).

Trump tem-se esforçado por ser original, no que isso encerra de incendiário e caótico, mas o que avulta de mais chocante neste magro período pós-investidura é a ignorância estrutural do homem. O que não seria um defeito lesa-planeta, se essa míngua de clarividência e "gravitas" governativa fosse um incentivo à aprendizagem. Sucede, porém, que tão árido deserto intelectual potencia obscenidades várias e releva o ascendente dos que o rodeiam, cuja natureza crua e preconceituosa tende a sair glorificada. Particularmente porque esses emissários mediáticos germinam num lodaçal não raramente confundido com agenda ideológica - e digo confundido, porque esta ideologia não é a que se exerce no sentido benigno das ideias, mas no sentido necrófago da seita. Começa no racismo e acaba na pedofilia.

Tente recordar-se da decisão ou proposta da Administração Trump que mais o chocou. E agora faça o mesmo com a decisão ou proposta que mais o divertiu. A tentação é a de confundirmos os planos, porque Trump usa a mesma maquilhagem de um reality-show. Antes como agora, sacia-se com as audiências. Que o digam os canais de notícias e os mais prestigiados jornais norte-americanos, que acumulam subscrições. Só o "The New York Times" granjeou quase 300 mil novos clientes pagantes desde a eleição. No afã do "make America great again", Trump está a conseguir engrandecer os grupos de comunicação. E isto não são "fake news".

Da forma atabalhoada como impôs uma "fatwa" aos imigrantes oriundos de certos países árabes, à diabolização do aquecimento global, passando pelas declarações de guerra aos média e aos serviços secretos, pelas crises diplomáticas com nações amigas e terminando na censura a uma multinacional que deixou de vender as roupas da filha Ivanka ou na referência ficcionada a um ataque terrorista na Suécia, falamos sempre da mesma pegada disfuncional. São demasiadas feridas autoinfligidas para sequer lhe chamarmos um projeto de poder.

Mas um mês é pouco tempo. Duas certezas temos, porém: o Mundo não estava preparado para Donald Trump, mas Donald Trump também não estava preparado para o Mundo.

*EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO

PEDRO IVO CARVALHO*