Rui Sá

A regionalização outra vez

Desde que escrevo no JN costumo aproveitar a semana do 25 de Abril para evocar esta data maior da nossa História. Assim tinha planeado. Mas eis que ontem me deparei com umas afirmações no "Público" que, pela repulsa que me causaram, me fizeram alterar os planos. Bem sei que o 25 de Abril se fez para que todos pudessem expressar as suas opiniões. Mas também se fez para que, livremente, possamos discordar das mesmas.

Pois escreveu um diretor do "Público" (Diogo Queiroz de Andrade), de quem já li outras opiniões que demonstram o seu profundo engajamento à direita mais ultramontana, a seguinte pérola: "Incapaz de acompanhar o dinamismo do Bloco de Esquerda e das suas "propostas fraturantes", o PCP de Jerónimo de Sousa recorre à cartilha estafada. Com o país todo a discutir a descentralização, os comunistas estragam a conversa a voltar a exigir a regionalização. Levam para casa o prémio da coerência, mas acabam por se parecer cada vez mais com um estúdio de Hollywood semifalido (sic) que só sabe propor a enésima variante do mesmo argumento".

Acompanhando o texto com uma seta para baixo. Este não engana. E, numa única cajadada, espuma a sua raiva ao PCP e à regionalização... Curiosamente, esta afirmação ocorre um dia depois de eu ter participado num debate promovido pela Assembleia Municipal da Maia, no âmbito das Comemorações do 25 de Abril, dedicado ao tema "40 anos de Poder Local Democrático". E, nesse debate, um dos assuntos em questão foi, precisamente, a regionalização, dado que a sua não implementação constitui um dos incumprimentos de Abril. Debate esse onde, para além de mim, Carlos Abreu Amorim (PSD), Jorge Catarino (PS) e Pedro Soares (BE) foram muito claros a defender a regionalização.

Com a certeza de que não será a regionalização a resolver os problemas do país e, em particular, os problemas das assimetrias no desenvolvimento do território. Mas com a convicção, também, de que com a regionalização será possível mitigar alguns dos efeitos de políticas centrais nefastas e, tal como aconteceu com a institucionalização do poder local democrático, contribuir para a melhoria das condições de vida das populações.

Por isso em boa hora o PCP colocou a regionalização, novamente, na ordem do dia. Apresentando um calendário bem definido, que prevê a auscultação das assembleias municipais que saírem das próximas eleições autárquicas sobre dois possíveis mapas das regiões (um correspondente a oito regiões, tal como foi aprovado pela Assembleia da República há quase 20 anos e que foi chumbado em referendo e outro correspondente às chamadas cinco regiões plano, que coincidem com as áreas de gestão das CCDR). Processo de auscultação que terminará até ao final de junho de 2018, de forma a que se possa fazer um novo referendo até ao final de março de 2019 (refira-se que PS e PSD reviram a Constituição passando a impor a necessidade de um referendo para institucionalizar as regiões - algo que em 1998 não era necessário e que saiu das cabeças criativas de Guterres e de Marcelo Rebelo de Sousa, num negócio que impôs a reprovação quase simultânea da interrupção voluntária da gravidez e da regionalização).

E o PCP, ao colocar a regionalização na agenda fá-lo, precisamente, porque está em discussão um processo de descentralização que, em muitos casos, corresponde a mais uma tentativa de obstaculizar a implementação das regiões, de acordo com a velha máxima "mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma"...

Tenhamos nós, os que defendemos a regionalização, a capacidade de não repetirmos os erros de 98. Não descendo, em particular, ao nível da argumentação dos centralistas empedernidos que, como Diogo Queiroz Andrade, não conseguem ver mais do que o seu próprio dedo quando apontam para a Lua...

*ENGENHEIRO

RUI SÁ*