Nunca morri de amores por discotecas. Por múltiplas razões (a música vem logo à cabeça), mas em particular porque nunca entendi o poder desmesurado conferido aos funcionários que estão à porta. Em condições normais, seriam porteiros. De sorriso nos lábios e frases encantatórias. Podiam, até, ser joviais senhoras de meia-idade, conjunto saia-casaco, écharpe e carteira a tiracolo. Mas não. São aquilo que é público: homens corpulentos, intimidantes, alguns até levemente assustadores. O que, se virmos bem, é uma estratégia contranatura: quem, em circunstâncias normais, quer frequentar um lugar que não dá grandes sinais de nos querer lá? E que o faz logo à entrada? Bem, mas a realidade é o que é. E não quero promover generalizações injustas: certamente que há seguranças encorpados com coração mole. Uma ocasião, fiquei à porta porque estava de sapatilhas, escolha que, em vez de me fazer sentir confortável, me deixou num desconforto espiritual de que não consegui recuperar. O estereótipo cumpriu-se também nesse caso: como o tipo à entrada tinha o dobro do meu tamanho, e o seu conhecimento sobre marcas importadas de calçado era diminuto, resolvi não entabular conversa. Felizmente que as cervejas do bar ao lado não olharam para os meus pés. O episódio de violência no Urban Beach, em Lisboa, é apenas a moldura em vídeo do quadro de impunidade em que atua, há demasiados anos, o mundo da segurança na noite. Querer ter homens afogados em testosterona com poderes de avaliação psicológica dá nisto. A única coisa boa foi termos descoberto que há gente acordada de madrugada no Ministério da Administração Interna que, àquela hora, não quer entrar, mas sim fechar discotecas.
*JORNALISTA