A culpa não pode morrer solteira. A frase é muitas vezes repetida perante tragédias que nos abalam e aplica-se de forma exemplar ao incêndio dantesco que, no ano passado, matou 64 pessoas em Pedrógão Grande. Quinze meses depois de iniciar a investigação, o Ministério Público deduziu acusação contra 12 arguidos, numa decisão inédita que aponta responsabilidades individuais a quem esteve no comando das operações ou a quem deveria ter feito a gestão de combustíveis.
Abre-se um precedente importante para o futuro e seguramente a responsabilidade de quem está num palco de operações passará a ser encarada de forma diferente. Nem o então comandante distrital de operações de Leiria, que estava no hospital com o filho e não chegou a comandar o combate às chamas, escapa à acusação, por se ter comprovado que deu instruções concretas para o terreno.
Caminhamos, ainda assim, em cima de gelo fino. Juridicamente é um caminho novo e as eventuais dificuldades na produção de prova vão ser postas a nu no julgamento. Uma coisa é apontar falhas, mais do que comprovadas por sucessivos relatórios, outra conseguir estabelecer uma inequívoca causalidade entre as decisões e responsabilidades individuais e as consequências que o fogo causou.
O precedente aberto poderá, por outro lado, vir a dar origem a processos idênticos no futuro. E se neste caso o bem em causa é a própria vida, nada impede que o mesmo raciocínio se aplique sempre que haja danos patrimoniais elevados. É uma caixa de Pandora de alcance imprevisível.
Uma coisa é certa: para quem conhece o sistema de socorro, a atuação reativa a que assistimos em Pedrógão Grande não foi muito diferente do que é o quotidiano no combate a incêndios. E que voltou a ver-se, também com consequências trágicas, nos fogos de outubro. E é esse sistema que não pode deixar de ser repensado, mesmo não sendo possível sentá-lo no banco dos réus.
* DIRETOR-EXECUTIVO