"Até ao último sopro" é o novo livro de Joaquim Murale, autor que luta pela afirmação da dignidade humana através da poesia.
Mais de quatro décadas decorridas sobre a estreia de Joaquim Murale nos livros, o sonho continua a alumiar-lhe os versos. Se a passagem dos anos traz por norma o desencanto ou a amargura, o escritor alentejano, de 67 anos, permanece envolto pelo manto da esperança, como reconhece num dos poemas do seu novo livro, "Até ao último sopro": "Naquela altura era um jovem sonhador / imaginava-me um dia a mudar o mundo / hoje em dia sou um velho que resiste / a que o mundo mate os meus sonhos".
Num registo diarístico que percorre boa parte das quase 600 páginas do livro, Murale defende o direito ao sonho como "matéria vital com que os operários constroem o amanhã", rejeitando a associação à utopia que invariavelmente é feita a quem não se conforma com os dias do presente.
Essa dimensão é feita de múltiplas realidades. A mais importante de todas é a da luta permanente pela afirmação da dignidade humana, com a denúncia das injustiças sempre bem presente na sua mira poética. "A minha pátria é semelhante a um covil de malfeitores / amamenta criminosos / corruptos / medíocres / incompetentes / e apouca / ignora / despreza / maltrata alguns dos seus melhores filhos", escreve o autor num dos poemas mais incisivos do livro.
Nesta "poesia dos anos do fim", a crença no caráter transformador da escrita jamais dá tréguas e alicerça-se na capacidade revelada por esta para superar a própria realidade, se necessário for. E mesmo os instantes de desânimo, de repúdio perante a iniquidade circundante, estão bem distantes de representar uma desistência simples. São apenas um recobro de forças para novos e diligentes esforços através dos quais o poeta procura mais uma vez domar o impossível.
Na sua essência, mesmo quando assume feições mais combativas, a poesia de Murale é sempre uma poesia de amor. De enlevo e arrebatamento puro perante o milagre da vida: "o amor é a mais imediata / porque instintiva e animalesca / mas também a mais difícil / porque afetiva e racional / forma de realização pessoal".
No princípio e no fim destes esforços poéticos está sempre o indivíduo. O ser que, embora consciente da sua insignificância no universo, sabe que "é dentro de mim que a minha vontade também tem de acontecer".