Convidada das jornadas "Desimaginar o Mundo", que assinalaram os 75 anos do nascimento de Manuel António Pina, a investigadora e docente brasileira Paola Poma destacou ao JN/Companhia dos Livros os principais traços da sua poesia.
O derradeiro livro de Manuel António Pina, "Como se Desenha uma Casa", serviu de mote à intervenção da professora universitária Paola Poma no colóquio que reuniu vários especialistas na obra do autor. Impressionada com a arquitetura do livro, a investigadora paulista destaca "a evidência da morte, tão concreta do ponto de vista da imagem", a par das "brechas, zonas de respiração que o livro apresenta no meio ao caos".
Os seus estudos académicos assentam muito no diálogo entre tradição e modernidade. A obra do Manuel António Pina (MAP) é o exemplo acabado desse diálogo?
Não sei te dizer se a obra de Manuel António Pina é o exemplo acabado deste diálogo. Acho que sempre haverá idas e vindas entre a tradição e a modernidade (e por que não dizer contemporaneidade também??). Por isso prefiro responder com uma frase do Pina que diz "escreve-se sempre com e contra o passado". Mas penso que a grande questão imposta por este diálogo seja pensar o projeto de cada poeta, daí talvez o texto de Borges "Kafka e seus precursores" possa nos ajudar, e claro, a grandeza de cada um dos poetas! Sempre.
É grande a influência de Fernando Pessoa, autor ao qual dedicou a sua tese de doutoramento, na obra de MAP?
A influência de Fernando Pessoa na obra de Manuel António Pina é imensa, em especial nos primeiros livros. Lembro de uma entrevista que ele concedeu para Osvaldo Manuel Silvestre na revista "Zentral Park" em que afirmava ter "apanhado a doença Caeiro, entre outras". Também o tema da heteronímia aparece, em chave humorística, nas figuras de SliM, Clóvis da Silva e Flávio dos Prazeres. Outro ponto em comum entre os dois poetas é a questão do deslocamento do sujeito vinculado à linguagem. O poema "transforma-se a coisa estrita no escritor" é um exemplo clássico, pois a recorrência do pronome "isto" nos leva automaticamente a pensar na arte poética de Pessoa: "Dizem que finjo ou minto/tudo o que escrevo" (título do poema "Isto"). Além do eco camoniano, claro. Enfim... há muitos pontos de contacto.
Em que sentido a antologia agora publicada, "O Coração Pronto para o Roubo", pode contribuir para aumentar o número de leitores de MAP no Brasil?
As antologias são sempre bem - vindas, pois permitem aos leitores brasileiros um contacto mais amplo com a obra de escritores que por algum motivo (tradução/direitos autorais, etc...) nos é inacessível. A publicação vem nesta direção e para aqueles que já conhecem a obra de Pina, através de revistas, blogs, jornais, etc, será um estímulo a mais. Esta edição, além de apresentar uma bibliografia específica, traz trechos de algumas entrevistas suas o que contribui ainda mais para aguçar o interesse do pesquisador/leitor.
O organizador dessa antologia referiu que há cada vez mais leitores brasileiros interessados na poesia portuguesa. Partilha dessa perceção?
Sem dúvida. Há um interesse muito grande por parte dos brasileiros, e não apenas dos estudantes de letras, em torno da literatura portuguesa. Isso se deve, em primeiro lugar, pela qualidade dos poetas. Pessoa, Sophia, Herberto Helder são grandes nomes que chegaram já consolidados. Mas há também muitos contemporâneos. E o fato de falarmos a mesma língua talvez seja um motivo facilitador para a conversação poética entre Brasil e Portugal.
Ainda se recorda em que circunstâncias conheceu a sua poesia?
5. Sim! Foram os poetas Carlito Azevedo e Augusto Massi que me presentearam com a sua poesia. Fiquei impressionada, no começo, com a temática pessoana. Depois o tema da morte, os deslocamentos e aquela ausência de sentido do mundo que percorre toda a sua obra. Mas existem outros temas: a imagem do regresso, a infância, a linguagem, os gatos, o amor, a intertextualidade, a doença, as artes plásticas, o silêncio...