Dia do Livro Português

José Rodrigues dos Santos: "Em Portugal, o livro vale menos do que o chouriço"

José Rodrigues dos Santos: "Em Portugal, o livro vale menos do que o chouriço"

Autor português mais vendido em 2022, José Rodrigues dos Santos traça um retrato demolidor das políticas de leitura nacionais. Dia do Livro Português é assinalado neste domingo.

O fecho das livrarias em Portugal durante a primeira fase da pandemia, ao contrário do que aconteceu com a generalidade dos produtos, é para José Rodrigues dos Santos o exemplo perfeito daquilo que considera ser a ausência de políticas eficazes de promoção da leitura.

Muito crítico em relação à inação do Estado, o vencedor do prémio Escritor de Confiança, votado pelo público, das Seleções Reader's Digest, aponta o exemplo de outros países em que, no seu entender, o incentivo à leitura é um desígnio nacional.

PUB

Que importância atribui a esta efeméride?

Não interessam as datas, interessa o que se faz em Portugal para encorajar a leitura. E a resposta é: não se faz nada de eficaz. Estive recentemente na Áustria, em França e em Espanha e informaram-me que a leitura aumentou nestes países, onde os governos têm políticas ativas de encorajamento da leitura. Em Portugal é o que se sabe. Dou-lhe um exemplo do grau zero nas políticas de leitura no nosso país: durante a pandemia, o governo chegou a impedir as grandes superfícies, os locais onde mais livros se vendem em Portugal, de venderem livros aos portugueses. Está a perceber o obscurantismo? O governo permitia a venda de whisky e de chouriço, mas proibiu a venda de livros! Os livros em Portugal valem menos do que o whisky e o chouriço! Enquanto isso, durante a pandemia, as vendas de livros disparavam noutros países da Europa, para quem a promoção da leitura não se resume a propaganda e resulta em políticas ativas, inteligentes e eficazes.

Os desafios dos criadores literários portugueses são os mesmos de sempre ou estes tempos presentes revestem-se de várias especificidades?

O grande desafio é a exiguidade do país. O mercado é pequeno e ainda por cima, e como vimos, não há políticas eficientes de encorajamento à leitura.

O papel dos autores preferidos dos leitores é reconhecido devidamente pelas entidades oficiais promotoras da leitura?

Nem quero responder a essa pergunta.

Num país onde 60% da população não lê um livro por ano, de que forma é que os escritores procuram abstrair-se dessa realidade sombria?

Escrevo para os leitores que existem e procuro encorajar-lhes o gosto pela leitura. E trabalho muito com o mercado internacional, onde os livros são realmente valorizados, pois nesses países todos percebem que ler é saber e saber é poder.

Ao contrário dos países anglo-saxónicos, nos quais só uma percentagem ínfima dos livros publicados são traduções, o nosso mercado é muito mais permeável às influências de fora - vê isto como um sinal de fragilidade ou diversidade?

Fragilidade. Temos dificuldade em exportar a nossa cultura, mas importamos a de outros. Tudo a favor da importação, note-se. O problema está na nossa dificuldade em seduzir os leitores internacionais. Mas é possível quebrar essa barreira e eu tenho trabalhado nisso.

Ainda existem muitos preconceitos ou estereótipos dos leitores e do próprio meio aos autores nacionais?

Tenho a opinião do Miguel Sousa Tavares: se os livros forem interessantes, os leitores portugueses aparecem. Os factos demonstram-no amplamente.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG