"Quarentena, uma história de amor" é um romance intenso de José Gardeazabal sobre os desafios do período de confinamento. É mais fácil sobreviver à pandemia ou ao fim do amor?
Se os poemas e os ensaios publicados nos últimos meses sobre a pandemia são já incontáveis, o mesmo não se pode dizer ainda dos romances.
Um dos primeiros contributos conhecidos vem de José Gardeazabal, muito provavelmente a principal revelação da literatura portuguesa dos últimos anos, pelo caráter desafiador e inventivo da sua escrita.
Em "Quarentena, uma história de amor", o autor de "Meio homem, metade baleia" narra-nos a história de um casal que tenta sobreviver à pandemia, mas sobretudo ao fim do amor.
Quando decidem por fim separar-se, eis que o contacto com um infetado dita uma sentença que, para ambos, é vista como se de uma pena máxima se tratasse: uma quarentena que significa a proximidade e a partilha de que se desabituaram em absoluto nos últimos tempos.
Como explica o narrador, "a nossa relação desapareceu pelo efeito preguiçoso do tempo - e agora isto: dão-nos mais tempo, os dois trancados no mesmo espaço. Todos deviam poder escolher entre um espaço fechado e um tempo bastante longo. Nós não escolhemos, ofereceram-nos numa bandeja menos espaço e um tempo muito, muito longo. Estamos confinados".
Estranhos no próprio lar, os dois (ex) amantes tentam tatear por entre os escombros do que já foi uma relação familiar. Ao longe chegam-lhes os ecos de uma civilização aturdida pelo vírus, mas, submersos como estão nos seus próprios dramas, tudo lhes parece excessivamente distante.
Vivem num limbo sem nome, perdidos entre tempos: se os seus corpos habitam um espaço exíguo feito de passado, como despojos de um relacionamento arqueológico, a planura dos dias, sempre iguais e sempre monótonos, consegue anular o presente e o futuro.
Em tempo real, como se de um diário se tratasse, o narrador vai relatando o espanto com que assiste aos avanços do que parece saído do argumento de um (mau) filme de ficção científica: do estado de negação de alguns líderes populistas à paranoia securitária e higienizante de outros, todos se mostram incapazes de estar à altura da importância histórica do momento, optando por refugiar-se em medidas avulsas com as quais tentam sobretudo salvar a sua própria pele.
Com o mundo lá fora, prestes a desabar a qualquer momento, o casal por fim descobre que, por mais insanáveis que pareçam os seus problemas, o amor não está destinado a ser um campo de batalha sem fim.