Estreia esta quinta-feira a bela e perturbadora, longa-metragem de Laura Wandel.
Não são muitos os grandes filmes a abordar de frente, com rigor, justiça e profundidade, o universo infantil. Do que nós somos quando temos algures entre seis e dez anos, quando já temos marcados fortes traços da personalidade mas ainda representamos um terreno aberto para o muito que temos para aprender, em casa, na escola, no mundo à nossa volta.
"Recreio", a esplendorosa mas altamente perturbadora obra de estreia na longa-metragem da belga Laura Wandel, entra para esse número restrito de filmes onde estão, entre outros, "Ponette" de Jacques Doillon, ou o mais recente "Petite maman - Mamã pequenina" de Céline Sciamma.
"Recreio" acompanha o regresso às aulas de Nora e do seu irmão mais velho, Abel. Quando tudo indicava que seria este a ocupar-se da irmã, num universo - a escola - que lhe era ainda desconhecido, é Nora que vai denunciar, a encarregadas, professoras e ao pai, os episódios de bullying de que Abel é vítima.
Percebe-se cedo que Laura Wandel, apesar de evidentemente apaixonada pelo tema e pelas crianças que filma, nos está a falar não apenas da infância mas da condição humana. Wandel explora temas como a violência e o sexismo. A segregação e a exclusão. Família e fraternidade.
Não mostra as crianças como seres anódinos, asséticos, sem emoções, puros e imaculados. Não tem medo de mostrar que, naquelas idades, já somos assim, para o bem e para o mal. E dá pistas. A mãe está completamente ausente da equação dramática. Para o pai estar tão presente, não pode estar a trabalhar. Desempregado? É o mais provável, mas a realizadora esconde-o, para não passar para o lado fácil da denúncia social.
Com a câmara sempre ao nível das crianças e do seu olhar, são os adultos que têm de se colocar à sua altura. Dizer que têm de se baixar seria deselegante e impróprio. Levados, quase se diria, pela mão da impressionante Maya Vanderbeque, "Recreio" c onfirma a pujança atual do cinema belga, multipremiado em Cannes, de cuja edição de 2021 vem esta obra que nos revela uma cineasta do futuro.
Recreio
Laura Wandel
2021