Cantautor apresenta esta sexta-feira e sábado numa Casa da Música lotada o espetáculo "Atrás dos tempos vêm tempos", que visita canções de uma dezena de álbuns.
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Pela raridade da ocasião, mas também pelo privilégio de escutarmos músicas que atravessam gerações, cada novo concerto de Fausto Bordalo Dias traz consigo a marca de acontecimento. Sabem-no também aqueles que assistem aos seus espetáculos esporádicos, cientes de que há sempre a hipótese de uma irrepetibilidade nas suas aparições públicas.
A rapidez com que esgotou a lotação da Casa da Música, obrigando à marcação de uma data suplementar, é a enésima prova da devoção muito particular que a obra do autor do eterno "Por este rio acima" continua a merecer junto de um público alargado, pese embora o divórcio frequente com os palcos ou a irregularidade na edição (o último disco data de 2011). O reconhecimento suscitado pela sua obra é extensivo à comunidade artística, com a curiosidade de muitos desses admiradores não serem sequer nascidos quando Fausto iniciou a carreira, já lá vão mais de 50 anos. De Luísa Sobral a Pedro Mafama, passando por Paulo Praça, há a convicção de que, pela incorporação do rico património musical português na sua sonoridade, mas também pelo desvelo com que sempre trabalhou a palavra, Fausto pertence à estirpe dos cantautores imprescindíveis.
A antítese do repentista
Omnipresente em toda a obra de Fausto Bordalo Dias, a viagem é também o fio condutor de "Atrás dos tempos vêm tempos", nome dado à série de espetáculos em curso (ler caixa). As suas próprias criações parecem dialogar e metamorfosear-se através dos tempos, como o demonstra o título do concerto. De nome de uma canção ("Atrás dos tempos outros tempos vêm" era um dos temas de "Madrugada dos trapeiros", disco de 1977), transitou para o título de uma coletânea lançada quase duas décadas mais tarde.
O alinhamento dos espetáculos, se se repetir a ordem dos concertos realizados há alguns meses em Lisboa, propicia o conceito de demanda permanente. Com exceção do primeiro disco, vão ser apresentadas canções extraídas da dezena de álbuns lançados em mais de 45 anos, um sinal da extrema minúcia com que encara cada criação.
Numa raríssima entrevista concedida à cantora Luísa Sobral para o podcast "O avesso da canção", Bordalo Dias explicou com detalhe como nascem as suas canções, comparando o processo a uma árvore. "Primeiro nasce o tronco e só depois vêm as folhas", disse.
Admitindo não ser "um repentista", confessou ser "muito lento" a compor, o que o leva "a rasgar muito papel". O músico comentou ainda a sua proverbial aversão às colaborações, explicando que o motivo pelo qual não costuma aceder ao pedido de escrever canções para outros tem sobretudo que ver com... insegurança. "Tenho medo que as pessoas não gostem", revelou, ao mesmo tempo que avançou com uma nova edição de "Em busca das montanhas azuis", agora que cessaram os compromissos com a anterior editora.