"Foi só um acidente": os traumas do Irão no presente e no futuro de Jafar Panahi

Um simples atropelamento, que se transforma em tragédia, espelha a perigosa realidade política e social do Irão
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Estreia esta quinta-feira "Foi só um acidente", nova obra-prima de Jafar Panahi, Palma de Ouro em Cannes. O filme foi inteiramente rodado na clandestinidade.
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Se o cinema iraniano tem sido nas últimas décadas um dos mais ricos, prolíferos e inovadores do panorama mundial, atento à realidade social e política do seu país, ancorado numa tradição cultural milenar, revelando novos autores, é também verdade que evolui face a um regime que não admite diferenças de opinião, o que se reflete na prisão ou na fuga de muitos realizadores.
O mais mediático de todos é Jafar Panahi, com uma obra persistente e sempre à procura de novas formas de se expressar, apesar de várias prisões e de ter sido condenado a não poder exercer o seu trabalho de realizador de cinema. Tal não o impediu de, mesmo na prisão, coordenar à distância vários projetos ou de filmar - apesar das proibições.
Já em liberdade, Panahi realizou em completa clandestinidade o seu último trabalho, "Foi só um acidente", uma ficção que, pelas suas características, nunca passaria o crivo da censura do regime dos Ayatolas.
O filme estreou mundialmente em Cannes, venceu a Palma de Ouro, juntando assim este prémio maior aos que o cineasta já obtivera em Berlim - e que não recebera em direto por estar impedido de sair do país - e em Veneza.
Como o título indica, o filme do realizador que começou a carreira como assistente de Abbas Kiarostami, parte de um simples acidente. Um homem viaja de noite de carro com a esposa grávida, quando atropela e mata um cão. Mas o mecânico a que recorre confunde-o com o agente prisional que o torturou, rapta-o e tenta enterrá-lo vivo.
O filme desenrola então uma teia de acontecimentos que espelham a realidade atual do Irão, que vive uma situação económica catastrófica e coloca a questão de saber se o futuro do país e das pessoas que nele vivem será feito de vingança ou de perdão.
Enquanto não chega a resposta, o cinema de Jafar Panahi continua a fazer as perguntas vitais.
