"Lunatic", quarto álbum do guitarrista António Mão de Ferro, é apresentado esta quinta-feira na Casa da Música, no Porto. Músico acumulou experiências e influências até emergir com um idioma sólido e singular.
Corpo do artigo
"Este é o primeiro disco que faço em que o som não podia ser de mais ninguém. É o ponto de partida para um território só meu". A convicção é de António Mão de Ferro, guitarrista e compositor com extensa carreira em bandas como GNR, Xutos & Pontapés ou Minnemann Blues Band. "Lunatic", apresentado hoje na Sala 2 da Casa da Música, no Porto, é o quarto álbum de originais.
Ao contrário de muitos projetos que atingem o zénite com a primeira obra, desvanecendo-se depois em tentativas de recuperar o espírito inaugural, Mão de Ferro pertence à categoria dos que cimentam com zelo a estrada que percorrem, aceitando permanecer na sombra o tempo necessário, acumulando experiências, integrando influências, até emergirem com um idioma sólido e singular. "Não é fácil encontrar uma linha esclarecida nos primeiros trabalhos, leva tempo a encontrar uma identidade, para que as pessoas possam dizer isto soa a Mão de Ferro", diz o músico ao JN.
Essa identidade tem como base o blues, género que o fez cruzar-se, nas duas últimas décadas, com nomes como Jerrel Lamar, Mable John, Airto Moreira ou Zakiya Hooker (filha de John Lee Hooker, que o guitarrista acompanhou em concertos na ilha de Santa Maria, nos Açores).
A recobrir a base encontram-se as suas grandes referências: desde o "guitar hero", David Gilmour, cuja linha de guitarra em "Shine on you crazy diamond", dos Pink Floyd, foi o primeiro solo que executou, a Peter Gabriel, David Byrne, Tom Waits, Ray LaMontagne ou o produtor Daniel Lanois.
Mas a especiaria que fez a diferença foi a reverberação, utilizada sobretudo nos temas instrumentais - "Atmosphere", "Electrified" e "Déjà vu" -, que cria uma neblina a envolver a guitarra, sugerindo paisagens de tempestade ou crepúsculos melancólicos. Uma teia de cores e texturas que lembra o trabalho de Jeff Beck.
Reconhecendo a sua falta de vocação para escrever letras, Mão de Ferro voltou a encomendar a lírica ao baixista Bernardo Fesch, oferecendo-lhe toda a liberdade temática, "porque gosto que o letrista dê o seu cunho pessoal, que escreva sobre a sua vida." Exceto em "Time", onde a encomenda foi mais específica: "Quis dedicar uma canção às vítimas do cancro, falar dessa luta contra a morte, contra o tempo, de como o devemos aproveitar da melhor forma". O tema tem a participação de Kiko Pereira, que escreveu também "The long road" e é líder do projeto Kiko & The Blues Refugees, outra das bandas de Mão de Ferro.
Essa dispersão por vários grupos, diz o músico, é algo que o enriquece, mas confessa que, nesta fase, preferia apenas compor as suas próprias músicas. "Gostava de ter mais tempo porque sou um perfeccionista, passei um ano a misturar este disco". Para fruir plenamente de "Lunatic", Mão de Ferro dá uma dica: "É um bom disco para ouvir enquanto se conduz, tem muito a ver com a ideia de estrada". Convém, no entanto, que o ouvinte não se entusiasme demasiado.
Concerto com cinema e dupla bateria
A primeira apresentação de "Lunatic", esta quinta-feira na Casa da Música, terá dois aliciantes extra: a componente cinematográfica, com vídeos do próprio Mão de Ferro e de Márcio Paranhos a serem projetados durante o concerto; e a presença de dois bateristas, Jorge Oliveira e Leandro Leonet, que o guitarristas considera "os melhores de Portugal na atualidade".
As dez faixas do álbum serão ainda executadas pelo irmão de António Diogo Mão de Ferro (guitarrista), Bernardo Fesch (baixo) e Diogo Santos (teclas).