
"Chamadas telefónicas" foi originalmente publicado há um quarto de século
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Primeiro volume de contos de Roberto Bolaño. "Chamadas telefónicas" tem uma nova edição nas livrarias nacionais, com a chancela da Quetzal.
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Muito antes de ser reconhecido como um dos nomes fundamentais da literatura mundial das últimas (largas) décadas, já Roberto Bolaño investia silenciosamente na criação de uma obra monumental que ainda nos surpreende amiúde, a avaliar pelo número de livros póstumos já publicados.
Foi, aliás, na sombra que o autor chileno escreveu grande parte dos seus livros, urdindo entre eles teias de cumplicidades e secretas ligações que, no seu aparentemente fragmentado conjunto, apresentam uma espantosa unidade literária.
É o caso deste "Chamadas telefónicas", agora reeditado pela Quetzal por ocasião dos 25 anos decorridos sobre a sua publicação original. Apesar de, já na altura, ter publicado meia dúzia de títulos bem acolhidos por alguns críticos mas olimpicamente ignorados pelos leitores, foi só no ano seguinte à publicação de "Chamadas telefónicas", com o superlativo "Detetives selvagens", que deixaria em definitivo as franjas do anonimato.
Nesta primeira incursão pelos contos feita pelo autor sul-americano - que seria reeditada quatro anos mais, em 2001, com "Putas assassinas" -, encontramos grande parte dos seus gostos, vícios e obsessões, dos quais o mais evidente será a conexão permanente entre a literatura e a vida.
Não por acaso, o primeiro dos três núcleos do livro ´é dedicado por inteiro a personagens que mantêm um grau elevado de dependência da escrita. Seja um escritor principiante que mantém uma relação epistolar com um veterano especializado em ganhar concursos literários obscuros ou um fracassado autor francês que, não obstante auxiliar colegas perseguidos pelos nazis na Segunda Guerra Mundial, jamais consegue obter a aprovação do meio literário, há sempre nestas vidas uma espécie de contaminação indissolúvel entre a literatura e o ato de viver, como se a primeira fosse, para o bem e para o mal, uma sina inescapável.
Apesar de ter escolhido como epígrafe do livro uma citação de Tchekhóv, provavelmente o mais aclamado contista da história da literatura, Bolaño é tudo menos reverencial ao longo da dúzia de contos incluídos em "Chamadas telefónicas". Com um ímpeto subversivo notável, ele constrói o seu próprio cânone, ao arrepio de todas as regras, quer deixando finais em suspenso ou ao terminar de forma abrupta o que contou de forma laboriosa ao longo de incontáveis páginas.
