Natal e pais separados: "Muitas crianças dizem sentir-se preocupadas, divididas, ansiosas"

O Natal é uma época particularmente desafiante para as famílias separadas
Foto: Carlos Carneiro
Falta cerca de mês e meio para o Natal, mas começam a surgir as preocupações em torno da época festiva, sobretudo quando os progenitores estão separados. Psicóloga clínica explica o que se passa na cabeça destas crianças fruto de famílias que não prosseguiram e deixa pistas para poder ajudar os mais pequenos a lidarem com a incerteza. Um trabalho que deve ser começado o quanto antes.
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Se acha que ainda é cedo para falar do Natal - afinal, falta quase mês e meio -, talvez a antecedência não seja assim tão grande quando falamos de pais separados. Em época festiva, é comum as crianças cujas famílias não prosseguiram sentirem alguma incerteza sobre o que aí vem. Portanto, importa atuar o quanto antes, combinar e explicar detalhadamente o que está combinado, tudo para reduzir a ansiedade dos mais pequenos.
Numa entrevista ao JN/Delas, a psicóloga clínica com trabalho desenvolvido na parentalidade positiva e especialista e mestre em Psiquiatra e Saúde Mental Tatiana Louro deixa algumas balizas e recomendações a ter em conta, mantendo a certeza de que atuar com tempo é sempre sinónimo de estabilidade e segurança para os filhos.
O que se passa na cabeça dos filhos quando chega o Natal e eles vivem em contexto de pais separados?
O Natal é uma época particularmente desafiante para as famílias separadas. Por, normalmente, ser vivido com grande significado emocional, muitas vezes gera nas crianças sentimentos de ambivalência e insegurança na medida em que implica alteração de rotinas, transição entre lares e a expectativa de se estar ou não e de que forma com os progenitores. Muitas dizem sentir-se preocupadas, divididas, ansiosas e algumas temem mesmo perder o afeto de um dos pais durante este período.
Como é que as crianças tendem a gerir a época de partilha das festas quando os pais estão separados?
A gestão emocional destas épocas festivas depende muito da idade da criança e da sua maturidade bem como da qualidade da comunicação entre os progenitores. Na verdade, a forma como os pais lidam com o divórcio tem um impacto significativo na maneira como as crianças irão lidar. Quando os pais se relacionam positivamente, por norma, as crianças apresentam alguma ansiedade, mas têm tendência a gerir melhor as suas emoções e a sentirem-se mais seguras e tranquilas. Depende também, muitas vezes, de experiências anteriores.
Tatiana Louro, psicóloga clínica, especialista e mestre em Psiquiatra e Saúde Mental, especialista pela parentalidade positiva e CEO da 5 Sentidos
Da sua prática clínica, o que costumam reportar estas crianças?
É comum as crianças experienciarem níveis mais elevados de ansiedade e stress especialmente quando a comunicação entre os progenitores é difícil. Evidenciam também algumas vezes medo da rejeição, quando as famílias são, por exemplo, reconstituídas, e apreensão ou incerteza quando desconhecem como vai ser. Sentimentos de tristeza pela ausência de um dos progenitores e frustração por ter que dividir o seu tempo são também comuns.
Como os ajudar a lidar?
É fundamental manter, sempre que possível, um ambiente previsível. Explicar-se com antecedência como vai ser, quem vai estar, que alterações vão ocorrer. Ter esta informação ajuda-as a reduzir a ansiedade e aumentar a segurança emocional. Deve também procurar-se compreender o que as crianças estão a sentir, dar um nome às emoções, perceber quais são os seus receios e angústias, e ir dando explicações à medida do que conseguem compreender, com base numa comunicação aberta e honesta. Evitar, claro, comentários depreciativos acerca do outro progenitor, demonstrando antes cooperação e respeito mútuo.
Deve-se dar hipótese de escolha ou aplicar o que está definido estritamente? Onde acabam as regras e deve começar o processo de decisão da criança?
A decisão entre aplicar estritamente as regras ou permitir a escolha da criança depende de muitos fatores como a idade da criança, nível de desenvolvimento, relação entre os pais, de que tipo de escolha se está a falar. Cada caso é um caso. Existem exemplos em que não há possibilidade de escolha quando a relação entre os progenitores é conflituosa, e aí deve cumprir-se o que está prévia e legalmente estipulado. Por outro lado, pode pensar-se em dar-se alguma liberdade de decisão progressiva à criança quando a relação familiar assim o permite. Devem evitar-se dar decisões significativas à criança para que esta não viva o "peso da culpa" de ter eventualmente que escolher um dos lados, num determinado momento. Para crianças mais novas, regras claras e consistentes ajudam a criar previsibilidade e segurança. À medida que vão crescendo, deixá-las progressivamente escolher pode ser benéfico, sendo que o processo decisório deve ser gradual e sempre com o adulto a apoiar de modo a garantir um equilíbrio entre estrutura e liberdade.
A partir de que idades se pode dar essa prerrogativa de escolha aos filhos?
À medida que as crianças crescem e vão adquirindo maior maturidade para compreender diferentes situações. é importante permitir uma maior participação nos detalhes festivos. No entanto, o papel e responsabilidade do adulto é sempre inquestionável.
Quais os efeitos de impor uma decisão ou, por oposição, quais os efeitos de deixar margem de escolha?
Impor decisões pode eventualmente aumentar sentimentos de frustração, impotência e gerar possíveis conflitos, afetando o vínculo emocional com os progenitores. No entanto, existem contextos em que tem mesmo que ser. Deixar margem de escolha, dependendo do que se está a falar, pode favorecer o desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade emocional, desde que sejam escolhas limitadas e orientadas pelo adulto para manter o equilíbrio familiar.
De um modo geral, que conselhos recomenda a famílias nestas circunstâncias?
Quando os pais comunicam de forma saudável criam condições para a estabilidade emocional dos filhos, devem evitar-se comentários negativos sobre o outro progenitor e é importante explicar à criança que embora os pais estejam separados, continuam a amá-la incondicionalmente. Pode dizer-se que o Natal é uma excelente oportunidade para criar novas tradições, não tem que ser sempre da mesma maneira, e que as pequenas ações diárias fortalecem os laços. O Natal é sobre momentos. O que verdadeiramente importa não é o formato da família antes o amor que todos partilham entre si.

