Eficácia do benefício fiscal, como o que está a ser gizado ao nível do IRC, para estimular a subida geral dos ordenados, é considerada dúbia pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).
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Seis anos adormecido, o polémico tema da redução das contribuições que as empresas pagam à Segurança Social pelos salários dos trabalhadores é agora despertado por sugestão da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Numa radiografia à economia portuguesa, publicada esta quinta-feira, a instituição considera que a subida continuada do salário mínimo tem agravado os custos laborais pelo que propõe "uma redução das contribuições patronais para a Segurança Social em relação aos trabalhadores com baixos salários, de forma a mitigar o impacto dos aumentos do salário mínimo", lê-se no Economic Survey sobre Portugal.
Neste momento a Taxa Social Única (TSU), suportada pelas entidades patronais, é de 23,75% sobre os vencimentos. Os trabalhadores contribuem com mais 11%.
Ora este é um dossiê muito sensível, que tem dividido patrões e sindicatos na mesa da concertação social. Em 2017, depois de duras negociações, a baixa da TSU para as empresas esteve para avançar, como medida compensatória do aumento do salário mínimo de 530 euros para 557 euros, mas acabou por cair pela mão do PCP e BE, na altura parceiros parlamentares do PS na designada geringonça, uma vez que os socialistas não tinham maioria absoluta.
O acordo de médio prazo para a melhoria de rendimentos, celebrado em outubro de 2022 entre governo, confederações patronais e a UGT - a CGTP ficou de fora -, não prevê um alívio das contribuições sociais.
Contudo, e face à evolução prevista da retribuição mínima mensal garantida, que deverá chegar aos 900 euros em 2026, sendo que o valor para este ano se fixou em 760 euros, mais 55 euros ou 7,8% face aos 705 euros praticados no ano passado, a questão já foi colocada pelo presidente da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), João Vieira Lopes.
Em outubro de 2022, numa entrevista ao Negócios/Antena 1, Vieira Lopes defendeu que "a redução da TSU foi, até agora, o método mais eficaz para conseguir absorver os aumentos acima da produtividade e da inflação". Recorde-se que, entre outubro de 2014 e dezembro de 2015, a TSU para as empresas baixou temporariamente 0,75 pontos percentuais para 23%, desde que os trabalhadores fossem contratados até ao final de maio de 2014, tendo recebido entre janeiro e agosto daquele ano pelo menos um ordenado mínimo, que estava nos 485 euros até outubro de 2014, subindo depois para 505 euros. A medida introduzida pelo executivo de Pedro Passos Coelho não teve continuidade assim que o governo socialista de António Costa tomou as rédeas do país.
Agora num quadro de maioria absoluta do PS, o dirigente da CCP considera que a ideia tem pernas para andar: "Neste momento, havia condições políticas. É a medida mais direta, mas é preciso balancear".
Porém, nas reuniões de afinamento e acompanhamento do acordo de rendimentos, a medida ainda não foi colocada.
A OCDE desafia agora o governo português a olhar de novo para a proposta de redução da TSU paga pelas empresas como forma de atenuar os efeitos negativos do aumento do ordenado mínimo no mercado de trabalho.
"O salário mínimo é uma ferramenta importante para proteger o padrão de vida dos trabalhadores com baixa remuneração, mas também corre o risco de desincentivar a contratação de trabalhadores de baixa qualificação, alguns dos quais podem efetivamente ser excluídos do mercado de trabalho", avisa o Economic Survey sobre Portugal.
Em 2023, cerca de 66% de metade das retribuições estavam na remuneração mínima, um rácio elevado face à média de 55% dos países da OCDE, aponta o mesmo organismo.
"Na maioria dos países da OCDE, a subida do salário mínimo teve efeitos positivos sobre os rendimentos baixos, mas nenhum efeito ou mesmo impacto negativo limitado sobre o emprego. No entanto, a evidência disponível para Portugal é mais diversificada", segundo o relatório.
Por exemplo, o crescimento da remuneração mínima entre 2014 e 2017 esteve associada ao declínio do emprego, de acordo com a OCDE. Uma vez que as pequenas e médias empresas, tipicamente com margens de lucro baixas, empregavam, em 2019, cerca de 75% da força laboral e que um quarto dos trabalhadores ganhavam o ordenado mínimo, a OCDE defende que as autoridades portuguesas devem verificar se o aumento dos custos laborais, devido à subida daquele limiar, "não dissuade os empregadores de contratar trabalhadores com salários baixos ou os encoraje a usar formas de emprego mais precárias, como contratos temporários". "Com efeito, estes potenciais efeitos negativos correm o risco de serem amplificados pelo atual contexto macroeconómico desfavorável", sublinha.
A OCDE dá ainda nota negativa às políticas que impõem aumentos salariais, porque "podem ter consequências potencialmente negativas no mercado de trabalho, afetando desproporcionalmente os jovens e outros trabalhadores mais vulneráveis".
Assim, o governo português deve "considerar cuidadosamente os efeitos económicos e sociais dos ajustes salariais, nomeadamente sobre aqueles que podem perder seus trabalhos, e minimizar quaisquer potenciais impacto nocivos negativos sobre o emprego, que poderiam aumentar a desigualdade de rendimentos, mesmo que a desigualdade salarial diminua", alerta.
"Uma análise minuciosa e uma avaliação regular desta política ajudariam a minimizar esses riscos", defende a OCDE. Para isso, seria importante constituir uma "comissão permanente e independente, mandatada para avaliar o impacto potencial da evolução do salário mínimo e publicar recomendações", indica.
Benefícios fiscais de eficácia duvidosa
Benefícios fiscais para as empresas que aumentem os vencimentos também não são bem vistos pela OCDE. E esta medida está prevista no acordo de rendimentos, através de uma majoração em 50% dos descontos em sede de IRC para entidades patronais que promovam uma subida salarial de pelo menos 5,1%. Neste momento, os parceiros sociais têm estado a afinar e a detalhar este mecanismo com o Ministério do Trabalho.
"Os incentivos fiscais para estimular aumentos salariais devem ser cuidadosamente avaliados e eliminados gradualmente, se forem considerados ineficazes", segundo a OCDE. Isto porque "a experiência internacional de incentivos para estimular o emprego ou aumentos salariais é mista", indica.
Em França, exemplifica a OCDE, "esses incentivos fiscais não tiveram um efeito significativo, principalmente em pequenas e jovens empresas que tendem a ser menos afetadas pelas reduções do imposto".
Para aquele organismo, a prioridade deve ser "a melhoria e simplificação do sistema fiscal, reduzindo assim os elevados custos com o cumprimento das obrigações fiscais, nomeadamente para as pequenas e médias empresas, e o alargamento da base tributável, permitindo potencialmente reduzir as taxas de imposto estatutárias e a carga fiscal relativamente elevada sobre os rendimentos do trabalho". Ou seja, a OCDE propõe uma redução do IRS.
