Grupo de Ética da Comissão Europeia defende que as novas tecnologias têm muitas vantagens, mas que também podem retirar protagonismo social e económico aos cidadãos. A solução é reformar os sistemas fiscais e de Segurança Social. Relatório foi entregue ao comissário Carlos Moedas.
O trabalho pago não é o único modelo viável para alcançar a cidadania plena. Numa sociedade em que as novas tecnologias, robotização incluída, parecem em simultâneo uma bênção e uma ameaça para o mercado de trabalho, o contributo dos cidadãos não se pode reduzir à sua capacidade de conquistar um salário. Os sistemas fiscais e de Segurança Social devem transformar-se para proporcionar a todos iguais oportunidades.
A ideia está presente num relatório do Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias (sigla EGE), órgão da Comissão Europeia na dependência de Carlos Moedas, comissário para a Investigação, Ciência e Inovação. O documento, sob o título "O Futuro do Trabalho, o Futuro da Sociedade", é entregue esta quarta-feira a Carlos Moedas e publicamente apresentado.
"Qual é a proteção das pessoas que contribuem para a sociedade e não recebem salário? A forma como a Europa olha para as transformações no mercado laboral que decorrem das novas tecnologias diferencia-se ao centrar o debate na dignidade humana", refere Carlos Moedas.
Questionado sobre a viabilidade de implementar o Rendimento Básico Incondicional (RBI) na União Europeia, Moedas diz que esse cenário é pouco provável: "O RBI não resolve todos os problemas. Os cidadãos querem um salário e também sentirem-se úteis".
De acordo com o EGE, a tecnologia e os computadores têm um efeito considerável sobre a forma como trabalhamos. As tecnologias digitais estão a acelerar a mudança e exacerbam alguns dos problemas que enfrentamos atualmente. No entanto, o EGE não vê as tecnologias como sendo a causa maior dos problemas. "O facto de muitas pessoas serem incapazes de encontrar emprego ou de conseguir trabalhos que paguem o suficiente para ter uma vida digna deve-se às nossas próprias decisões políticas. É devido a políticas e instituições que têm facilitado o crescimento de condições de trabalho precárias, que tornaram o capital mais lucrativo que o trabalho e que deixaram muitas tarefas invisíveis e não reconhecidas que desempenham um papel crucial no funcionamento das nossas sociedades", refere o relatório.
Neste contexto, tanto os sistemas fiscais como a Segurança Social dos países da União Europeia devem transformar-se. Porquê? O trabalho remunerado não pode mais ser considerado o requisito principal para uma série de bens e direitos, como a identidade pessoal, a Segurança Social e económica, a acumulação de riqueza e as expressões de liberdade pessoal. As políticas dos Estados devem olhar para além do chamado pleno emprego, ou simplesmente expandir as proteções anteriores dos empregados comuns de forma a incluir as pessoas com empregos menos convencionais.
Carlos Moedas dá o exemplo daqueles que acompanham os idosos e doentes. "Contribuem para a sociedade sem direito a remuneração", sublinha, reconhecendo que a atual discussão em Portugal sobre o estatuto do cuidador informal pode ser um bom exemplo.
O EGE defende igualmente a separação entre o emprego e a vida privada, que tem de ser protegida. Embora as tecnologias digitais e outras sejam frequentemente elogiadas por permitir maior flexibilidade aos trabalhadores, esta característica é uma faca de dois gumes: quando os trabalhadores estão permanentemente disponíveis para os seus superiores ou clientes, aumenta o stresse e reduzem-se as oportunidades de descanso.
Artigo atualizado no dia 19/12/2018, às 19 horas, com declarações de Carlos Moedas