As pessoas que sofrem de dores nas costas podem encontrar alívio na investigação que mostra que os campos elétricos e os genes dos peixes podem fornecer novos elementos de base para um esqueleto saudável.
As dores nas costas podem ser excruciantes e são cada vez mais comuns nas populações envelhecidas. A cirurgia à coluna está a aumentar em muitos países, incluindo a dispendiosa - e em muitos casos arriscada - cirurgia de fusão à coluna vertebral. Cerca de 18 % das cirurgias à coluna não são bem-sucedidas, levando a complicações devastadoras para os pacientes.
A cirurgia de fusão à coluna vertebral une duas vértebras para estabilizar a área e reduzir a dor. No entanto, muito depende da capacidade das vértebras de fazer crescer nova matéria óssea e fundir-se adequadamente após a operação. Preencher a lacuna
"Em muitos casos, isto não acontece porque os pacientes não conseguem preencher a lacuna no osso", disse John Zellmer, coordenador do projeto SmartFuse financiado pela UE e cofundador da empresa sueca de dispositivos médicos Intelligent Implants.
A inspiração para o SmartFuse surgiu de um encontro entre o irmão de Zellmer, o médico sueco Erik Zellmer e um engenheiro biomédico irlandês chamado Rory Murphy. Ambos foram surpreendidos pela quantidade de cirurgias à coluna que não foram bem-sucedidas devido à falta de crescimento ósseo. No entanto, sabe-se há algum tempo que os ossos se remodelam naturalmente utilizando sinais elétricos gerados pelo próprio corpo.
Isto levou os dois médicos a criar uma empresa para desenvolver o primeiro implante de qualidade médica capaz de utilizar sinais elétricos cuidadosamente direcionados para acelerar, controlar e monitorizar o crescimento ósseo.
"É como se estivéssemos a desviar a sinalização do próprio corpo, criando um campo elétrico no local onde queremos que o osso cresça, à volta do implante», disse Zellmer. O implante ortopédico pequeno e fácil de utilizar é feito de plástico PEEK e titânio com um conjunto de elétrodos selados no seu interior. Ensaios em ovelhas O projeto teve início em abril de 2022 e decorre até novembro de 2024, com o apoio financeiro da UE a chegar através do Conselho Europeu da Inovação. Os ensaios clínicos realizados em ovelhas são muito promissores. De acordo com Zellmer, em apenas seis semanas, as ovelhas a utilizar o dispositivo apresentavam três vezes mais osso do que as que não o estavam a utilizar.
Pode ser um longo caminho de recuperação para os pacientes após uma cirurgia à coluna, demorando nove a 12 meses para que o osso necessário para a fusão cresça. Muitas vezes, o fracasso não é diagnosticado durante um ano ou mais após a cirurgia e é difícil para os médicos avaliarem até que ponto o processo de cicatrização está a progredir.
Com o SmartFuse, o implante recebe sinais sem fios e está ligado a um portal baseado em nuvem que fornece aos médicos uma perceção sem precedentes de como os ossos se estão a fundir. À medida que o osso cresce à volta do implante, os sinais elétricos são cada vez mais atenuados. Os detetores conseguem «perceber» o sinal reduzido e estimar a quantidade de osso presente.
Esta capacidade de ver o progresso do paciente seria um recurso valioso tanto para o médico como para o paciente. Embora esteja ainda no início, a empresa espera obter a aprovação regulamentar na Europa e nos EUA até 2028.
Andaime antigo
Entretanto, duas espécies comuns de peixes de aquário - o peixe-zebra e o peixe-do-arroz - forneceram inspiração a uma equipa de jovens investigadores que se deslocaram à procura de pistas sobre como tratar problemas esqueléticos em seres humanos.
O esqueleto serve como um andaime para os animais vertebrados - aqueles com espinha dorsal - há cerca de 400 milhões de anos. Uma vez que a evolução funciona como o ditado «em equipa vencedora não se mexe», os peixes, répteis, pássaros e mamíferos ainda usam frequentemente os mesmos genes e proteínas para fazer o seu sistema esquelético. Portanto, embora os peixes e as pessoas sejam obviamente muito diferentes, as semelhanças permitem aos cientistas estudar os esqueletos dos peixes para fazer descobertas médicas interessantes.
"Muitos genes que causam os problemas esqueléticos nos humanos já demonstraram gerar problemas semelhantes nos peixes", disse Dr. Marc Muller, que liderou o projeto BioMedaqu financiado pela UE e é biólogo na Universidade de Liège na Bélgica.
O BioMedaqu, que acabou no mês passado após quatro anos e meio, juntou peritos em esqueletos de peixes e humanos. Muller e os seus colegas tiveram a ideia de um projeto para a formação de jovens investigadores enquanto conversavam a beber uma cerveja numa conferência no Algarve, Portugal.
"Pensámos: "Porque não juntar pessoas de aquicultura, biologia dos peixes e investigação biomédica para partilhar ideias, talvez até tecnologias, para estudar a biologia dos esqueletos?", disse Muller. Estiveram envolvidos no BioMedaqu quinze investigadores em fase inicial, o que resultou num fluxo de descobertas.
Uma investigadora estudou a doença óssea em pessoas - osteogenesis imperfecta - que replicou através da mutação do gene equivalente em peixes-zebra. A importância de fósforo para a saúde óssea dos peixes foi investigada por outro cientista. Num hospital parisiense, a investigação revelou a importância de vários genes para o desenvolvimento de osteoporose em crianças.
Entretanto, o laboratório de Liège estudou o papel dos genes envolvidos na artrose humana. O laboratório também investigou extratos de animais pelo seu potencial para beneficiar o desenvolvimento do esqueleto - tanto em peixes como em pessoas.
Assuntos ósseos
O objetivo geral do trabalho era obter conhecimentos mais aprofundados sobre os mecanismos fundamentais que podem causar malformações do esqueleto nos seres humanos - e nos peixes de piscicultura. A rede combinou partes interessadas de sete universidades europeias, um hospital de investigação americano e o Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde (INSERM) francês. Os interesses comerciais no setor da aquicultura e dos alimentos para peixes estavam também representados.
A estrutura do projeto encorajava o fluxo de informações e de pessoas entre os setores biomédico e da aquicultura e entre académicos e os setores aplicados. E a investigação revelou também informações úteis para os piscicultores em busca de opções de alimentação mais sustentáveis.
Por exemplo, vários projetos analisaram a influência de oligoelementos como o zinco, selénio, vitaminas, ácidos gordos e probióticos no desenvolvimento dos esqueletos dos peixes e como a alimentação poderia ser melhorada através da sua adição à mistura.
De acordo com Muller, a investigação fez avançar o conhecimento entre os cientistas de uma forma que acabará por beneficiar a aquicultura, a compreensão da biologia dos esqueletos e, em última análise, os pacientes humanos. Esperam-se mais resultados dos investigadores em breve.
A investigação neste artigo foi financiada através da Marie Skłodowska-Curie Actions (MSCA) e do Conselho Europeu de Investigação da UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.