Aveiro
Morreu advogada com cancro que não teve direito a apoio nem baixa médica
Joana fotografou-se a trabalhar quando estava a ser acompanhada no IPO do Porto|
foto Facebook
Advogada com cancro lamentava falta de apoio|
foto Funerária Castilho
Fernanda Almeida Pinheiro é bastonária desde dezembro Lisboa, 25/01/2023 - Fernanda Almeida Pinheiro Bastonária Ordem Advogados. (Leonardo Negrão / Global Imagens)|
foto Leonardo Negrão / Global Imagens
Morreu, na segunda-feira, aos 39 anos, a advogada Joana Canas Varanda, vítima de doença oncológica. Mesmo impossibilitada de trabalhar, continuou a fazê-lo, uma vez que não beneficiou de qualquer apoio à doença nem por parte do Estado nem por parte da Caixa de Previdência para a qual fez descontos. A bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Fernanda de Almeida Pinheiro, fala em "realidade medieval" vivida pelos advogados.
Era num grupo de advogados no Facebook que, volta e meia, Joana desabafava após ter sido diagnosticada, no último ano, com um "cancro em último estádio". Natural de Águeda e com um filho com menos de um ano, a advogada, com escritório na Comarca de Aveiro, lamentava a falta de apoio à doença e o facto de ser privada dos seus direitos básicos de parentalidade ("porque o crescimento do meu filho vale muito mais do que um recurso ou uma queixa no CSM").
Numa publicação recente, fotografou-se a trabalhar quando estava a ser acompanhada no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Noutra, lamentou a falta de empatia e a indiferença de alguns juízes que rejeitaram requerimentos para adiar diligências, argumentando que poderia ser substituída por um colega.
Bastonária fala em "realidade medieval"
A discussão em torno da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), que garante a reforma destes profissionais, mas não assegura, por exemplo, direitos assistenciais aos beneficiários/contribuintes, não é nova.
Nas redes sociais, Fernanda de Almeida Pinheiro, que enquanto candidata a bastonária propôs a realização de um referendo sobre o caráter exclusivo da CPAS, lamentou o falecimento de Joana Canas Varanda, uma mãe que morreu "sem qualquer apoio institucional e do Estado e sem que a Justiça pudesse 'parar' para a conseguir ajudar" e sem "acesso a uma previdência digna desse nome".
No Facebook, criticou aquilo que diz ser uma "realidade medieval" vivida pelos profissionais da advocacia. "É ao Estado que compete fazer cumprir a Constituição e não pode continuar a fazer de conta que nada tem que ver com o que se passa com cerca de 40 000 profissionais que são seres humanos como os demais e que escolheram as profissões legais para servir a Justiça. Manter esta situação é denegar a cada um/a deles/as os seus direitos constitucionais de previdência mais básicos", escreveu.
"Passaram quase 10 anos desta luta e isto vai mesmo ter de mudar, porque não vamos deixar que isto possa continuar a ser uma realidade medieval", concluiu.
Contactada pelo JN, esta terça-feira à tarde, Fernanda de Almeida Pinheiro não se mostrou disponível para prestar declarações por se encontrar em reunião. Já a direção do CPAS referiu que a advogada "tinha conhecimento efetivo" de todos os "apoios e subsídios" da instituição. "Sem prejuízo da CPAS, em sede própria e, inclusivamente, em defesa do bom nome da instituição, poder detalhar as informações sobre a situação em causa, não o fará, contudo, por este meio, face ao dever de confidencialidade e de proteção de dados pessoais, a que está vinculada, cabendo-lhe, apenas, aditar que a beneficiária tinha conhecimento efetivo de todos os apoios e subsídios e, bem assim, dos requisitos necessários para o efeito", informou Victor Alves Coelho.
Outro caso
Em novembro do ano passado, a Ordem dos Advogados informou que uma advogada foi obrigada por juiz de Aveiro a comparecer no tribunal ou a fazer-se substituir por outro colega nove dias depois de ter dado à luz, apesar de ter pedido adiamento. Na altura, a OA acusou o magistrado de ter agido "sem a menor empatia e compaixão humana", considerando que esta decisão judicial constitui "uma clara violação da lei e das prerrogativas dos advogados e um atentado aos direitos fundamentais de igualdade e não discriminação em função da maternidade".