Um dos inspetores da Polícia Judiciária (PJ) que, em 2015, vigiou o encontro numa área de serviço entre o então diretor-geral da Doyen Sports, Nélio Lucas, e Aníbal Pinto, advogado acusado de, em coautoria com Rui Pinto, ter tentado extorquir aquele fundo de investimento, garantiu esta terça-feira, em tribunal, que ficou com a sensação que o causídico, de 59 anos, tinha um "ascendente" sobre o hacker, de 32.
Aníbal e Rui Pinto são suspeitos de terem exigido entre 500 mil e um milhão de euros à Doyen Sports a troco do fim da divulgação de documentação daquela entidade no site Football Leaks, datado de setembro de 2015 e do qual o hacker autointitulado denunciante é o criador assumido. A transação nunca chegou a acontecer.
Depois de uma troca e-mails entre Lucas e Rui Pinto - que então se apresentaria como Artem Lobuzov -, Aníbal Pinto, o então diretor-geral da Doyen Sports e o assistente deste, Pedro Henriques, reuniram-se na área de serviço de Oeiras da A5, para, segundo a acusação do Ministério Público (MP), estabelecer os termos do acordo. O encontro foi vigiado pela PJ, que investigava já o caso na sequência de uma denúncia do ex-dirigente do fundo.
Aníbal Pinto já garantiu, durante o julgamento iniciado em setembro de 2020, que pensou estar apenas a negociar um contrato de trabalho para o seu cliente. Esta terça-feira, um dos inspetores que, sentado numa mesa próxima, ouviu a conversa entre o trio assegurou ao tribunal, contudo, que, ao ser questionado por Lucas e Henriques quanto à "legalidade" do acordo, este "devia ser visto como um negócio". "Foi um encontro de negócios", resumiu, precisando que o advogado descreveu o seu cliente, sem o nomear, como alguém "jovem" e com "capacidade de hackear sistemas informáticos".
A testemunha sublinhou ainda que ouviu o trio falar de um "disco rígido", que não chegou a ser entregue. O inspetor - que não teve qualquer outra intervenção no processo, cujos contornos disse desconhecer - tinha recebido instruções para efetuar uma "detenção em flagrante delito" se ocorresse "a entrega de algum objeto" ou se recebesse ordens para tal, o que não aconteceu.
Ainda assim, sustentou, ficou então com a perceção que, atendendo a "expressões" usadas por Aníbal Pinto, este "poderia ter eventualmente algum ascendente" sobre Rui Pinto. Entre estas, está o facto de ter, alegadamente, afirmado que, se o acordo não fosse cumprido, "poderia haver uma devolução do dinheiro".
O julgamento continua esta terça-feira à tarde, em Lisboa, com o depoimento de uma outra inspetora presente no encontro e de um especialista em informática da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Além da tentativa de extorsão, o hacker está acusado de 89 crimes informáticos cometidos, entre julho de 2015 e janeiro de 2019, contra cinco entidades: Doyen Sports, PGR, Federação Portuguesa de Futebol, Sporting Clube de Portugal e a sociedade de advogados PLMJ. O gaiense alega que tudo o que fez foi por "um bem maior". Já o advogado não está acusado de mais qualquer crime além da tentativa de extorsão.