
José Sócrates
Maria João Gala / Global Imagens
Ministério Público não viu indícios de branqueamento, em 2013, quando averiguou venda da casa da mãe.
Um processo "administrativo" contra José Sócrates, agora junto aos volumes da Operação Marquês, tinha sido arquivado pelo Ministério Público em julho de 2013 por falta de indícios de branqueamento de capitais num negócio de venda de uma casa da mãe do ex-primeiro-ministro ao empresário Carlos Santos Silva.
São 478 novas páginas nos autos que vão ser apreciadas pelo juiz de instrução criminal, Ivo Rosa, e que faltavam no processo. Ao fim de 15 meses de investigação ao abrigo da lei de prevenção dos casos de lavagem de dinheiro, o Ministério Público decidiu abrir inquérito-crime contra o empresário amigo do ex-primeiro-ministro, por considerar suspeita a passagem de mais de 20 milhões de euros pelas suas contas, entre 2009 e 2012, quando entre 2004 e 2012 declarou cerca de 3,8 milhões de euros de IRS ao Fisco. E foi este novo inquérito que deu origem à Operação Marquês, na qual Carlos Santos Silva é tido como testa de ferro de José Sócrates, na propriedade de uma fortuna acumulada na Suíça - alegadamente contrapartida por atos de corrupção e favorecimento enquanto governante em decisões em torno do Grupo Lena, Grupo Espírito Santo/Portugal Telecom e empreendimento turístico Vale de Lobo (Algarve).
Desconhecido até ao momento era que, na sequência de participação da Caixa Geral de Depósitos, em abril de 2012, sobre o recebimento de 600 mil euros por parte da mãe de José Sócrates e "passagem" de um total de 450 mil euros para o filho - cuja justificação o banco público desconhecia -, o processo "administrativo" então aberto no Departamento Central de Investigação e Ação Penal fora arquivado.
Compra sem "favor"
De acordo com o despacho em que decide arquivar a participação por suspeita de branqueamento, o procurador Jorge Rosário Teixeira - que viria a ser o titular da Operação Marquês - refere que o dinheiro transferido para o ex-primeiro-ministro tivera origem na venda de um apartamento da mãe na Rua Braancamp (Lisboa) a Santos Silva, num contexto de "negócios familiares" quanto a "partilhas de bens de família, mas não a criação de justificativos para ocultar a verdadeira origem dos fundos".
O magistrado dá como adquirido um "conhecimento pessoal" entre Sócrates e o empresário mas diz não terem sido recolhidos elementos que permitam suspeitar "fundadamente" que Carlos Santos Silva tenha atuado "de favor na compra" do apartamento ou que "a sua conta tenha servido de passagem para fundos destinados" a Sócrates e que "apenas se pretendesse criar uma nova justificação para os mesmos".
Rosário Teixeira ressalvou a sua conclusão naquele processo administrativo à análise das operações "quando vistas isoladamente" e "salvo melhor informação".
O Ministério Público mudou de ideias e alterou esta conclusão durante a investigação formal entretanto aberta com a finalidade de apurar a proveniência dos mais de 20 milhões de euros na titularidade de Carlos Santos Silva, oriundos da Suíça, resultando na acusação da Operação Marquês, agora contestada na fase de instrução.
Mãe de Bárbara Vara ouvida hoje como testemunha da filha
A instrução da Operação Marquês continua hoje, em Lisboa, com a audição de quatro testemunhas arroladas pela defesa de Bárbara Vara, entre as quais a mãe, Maria Isabel Telo Figueira. O interrogatório da filha de Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, marcou o início, anteontem, desta fase do processo. Bárbara Vara está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais, cuja autoria nega, alegando que só confiou no pai. O ex-gestor do banco público, também arguido, deveria ter deposto ontem como testemunha, mas a audição foi adiada para terça-feira.
28 arguidos
O Ministério Público deduziu, em 2017, acusação contra 19 pessoas e nove empresas no âmbito da Operação Marquês. Entre eles, está o ex-primeiro-ministro José Sócrates, a quem são atribuídos 31 crimes.
Quase 200 crimes
No total, foram imputados aos arguidos 188 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal, falsificação de documento e posse de arma proibida.
Milhões de ficheiros
Dez magistrados reuniram, durante quatro anos de investigação, uma extensa prova documental que inclui 13,5 milhões de ficheiros informáticos.
