O ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM), Vasco Brazão, admitiu esta quinta-feira, em tribunal, que a recuperação, a 18 de outubro de 2017, da maioria do armamento furtado três meses e meio antes dos paióis de Tancos foi vista pelo então diretor da instituição, Luís Vieira, como uma oportunidade para esta reassumir a liderança da investigação, à data delegada pelo Ministério Público (MP) na PJ civil. A ação, à revelia do MP e da PJ civil, terá gerado "fúria" no seio desta última.
Perante o tribunal, em Santarém, Vasco Brazão, de 49 anos e ex-investigador da PJM, assegurou que, no dia seguinte à descoberta do material na Chamusca, foi-lhe dito por um jornalista que Luís Neves, à data diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo e atual diretor nacional da PJ civil, dissera numa reunião que iria "ser vingança até à morte".
"Naquele momento, não me senti ameaçado de morte, mas o outro lado estava exacerbado", sublinhou, acrescentado que, para que a investigação revertesse para a PJM, seria necessário esclarecer tudo com a sua congénere.
Segundo o major, de piquete na noite do achamento, caberia ao então diretor de investigação criminal da PJM, Manuel Estalagem, contar à PJ civil o que realmente se passara. Ao contrário de Vasco Brazão e de Luís Vieira, Manuel Estalagem - que diz ter sido afastado da alegada investigação paralela - não foi acusado de qualquer crime.
Em causa está o facto de, a 18 de outubro de 2017, a PJM ter recorrido a uma falsa chamada anónima para esconder que o armamento fora recuperado com recurso a um "informador". João Paulino, 34 anos, é, na realidade, o mentor confesso do assalto aos paióis, mas, esta quinta-feira, Vasco Brazão reiterou que, na altura, os militares desconheciam esse facto. A omissão visaria "proteger o informador", que, para o major, não se tornou no principal suspeito do furto só por o material ter aparecido.
Prática comum nas polícias, diz
"Passou a ser um informador credível que tinha de ser trabalhado", defendeu o ex-porta-voz da PJM, rejeitando, confrontado pelo tribunal, que falsear em documentos o modo como o armamento foi recuperado, deixando o nome de um eventual suspeito de fora do processo titulado pelo MP, se trate de uma falsificação.
"É prática de todas as polícias. Não é uma falsificação: é proteger a identidade do informador. Se não, as polícias faziam falsificações em todos os processos", sustentou o major, que, por diversas vezes, salientou que os métodos usados pela PJ civil não são diferentes dos da PJM.
A explicação causou irritação no coletivo de juízes presidido por Nélson Barra, com os magistrados a recordarem, mais do que uma vez, que o titular da ação penal é o MP. Sublinharam, ainda, que não é por ser prática de "todas" as polícias, seja ela qual for, que os métodos em causa se tornam "legítimos".
Luís Vieira, de 67 anos, e Vasco Brazão estão acusados, cada um, de cinco crimes de, entre outros ilícitos, falsificação ou contrafação de documento, e denegação de justiça e prevaricação. O processo conta, no total, com 23 arguidos: nove alegadamente ligados ao assalto, um ao tráfico de droga e 13 à investigação paralela.
O julgamento prossegue na segunda-feira, 19 de abril, em Santarém, com a audição de testemunhas arroladas pela defesa. O depoimento de Luís Vieira, um dos últimos arguidos a falar, está agendado para quinta-feira, 22 de abril. Luís Neves testemunha a 4 de maio.