
Foto: Oscar del Pozo / AFP
"A única coisa que nos diferencia de outros países é que somos mais barulhentos", argumentou recentemente sobre a Espanha o escritor Ignacio Peyró nas páginas do "El País". No entanto, muitos espanhóis passaram de aceitar o barulho como parte da paisagem para se rebelar contra ele.
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A primeira vez que os estrangeiros entravam num bar na Espanha, costumavam confundir o alvoroço das conversas com uma discussão. No verão, a tendência acentua-se, porque o calor leva a vida para a rua, para os terraços dos bares, e chegam as festas: San Juan, San Pedro, San Fermín, a Virgem do Carmo, a do Orgulho, com seus altifalantes e fogos de artifício.
"Temos tantas palavras para festa — fuzarca, folia, celebração, diversão — quanto os esquimós para a neve", escreveu Peyró.
Em alguns verões cada vez mais quentes e em bairros como Chueca e Malasaña, em Madrid, El Born e Gràcia, em Barcelona, e El Carmen em Valência, muitas casas antigas não possuem ar condicionado e dormir com as janelas abertas é impossível.
"Portugueses têm cultura de falar muito mais baixo"
"Se tiver sono leve, é impossível" dormir, conta à AFP Toni Fernández, um cabeleireiro de 58 anos que vive há 15 anos em frente a um terraço de bar no bairro de Chueca e que sonha em mudar "quando puder, o que será em breve". "Acho que os portugueses têm outra cultura de falar muito mais baixo, porque eu mesmo percebo que falo alto" quando vou a Portugal, explica Fernández, que é de Vigo, cidade galega próxima ao país vizinho.
Num clima nacional de tolerância, aqueles que reclamam são acusados de "serem antissociais e hipersensíveis", relatou à AFP Yomara García, presidente da Juristas Contra o Ruído e advogada, durante um congresso de acústica em Málaga. "O direito à intimidade pessoal, à inviolabilidade do domicílio, que coloquialmente é chamado de direito ao descanso, é um direito hierarquicamente superior" ao "mal chamado direito ao lazer, porque não é um direito fundamental", sustentou García.
"Isto é Espanha"
Para além das habituais denúncias contra os bares, os litígios por barulhos estenderam-se recentemente aos espetáculos no Santiago Bernabéu, obrigando o Real Madrid a suspendê-los, aos jogos de padel e às festas patronais. Alcançam até mesmo os pátios das escolas em Barcelona, levando o Parlamento catalão a protegê-los, decretando que estão isentos das normas sobre ruído.
A proliferação de associações contra o ruído, como a Associação Catalã contra a Poluição Acústica (ACCCA), a Rede de Vizinhos Contra o Ruído (Xavecs, catalã), a Federação de Associações Contra a Poluição Acústica, a Campanha contra o Ruído, a Federação de Associações contra o Ruído, é explicada por essa mudança de atitude.
O Centro do Silêncio, em Madrid, proporciona calma a cerca de 50 utilizadores semanais. É gerido por religiosas dominicanas e, quando abriu em 2011, era uma raridade.
Agora, no entanto, "há muita oferta de espaços de retiros, de silêncio, de meditação", explica à AFP a diretora, Elena Hernández Martín, religiosa dominicana da ordem dos pregadores, que, diz, "prega com o silêncio".
Ana Cristina Ripoll, professora de filosofia de 59 anos que frequenta o centro, não acredita que a atitude em relação ao barulho tenha mudado muito em Espanha.
"Não acho que haja qualquer consciencialização. Quando, às vezes, no metro, digo à pessoa ao lado que se pode abaixar o volume do telemóvel porque está a tocar música, às vezes irritam-se", narra. "Inclusive há gente que diz: 'Isto é Espanha'", rematou.
