Joshua Wong, o estudante e ativista político de 23 anos que emergiu em Hong Kong nas manifestações contra a repressão e a nova lei de extradições do Governo chinês, não pôs só o dedo na ferida; escancarou o hematoma todo: "Exorto toda a gente que acredita em direitos humanos a boicotar o filme "Mulan"", escreveu Wong no Twitter.
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O que levou o ativista candidato ao Nobel da Paz em 2017 a pedir uma medida tão gravosa contra o novo filme épico de aventuras da Disney para a toda a família? Duas razões e a primeira foi uma resposta direta a uma posição na rede social Weibo (o Twitter da China) de Liu Yifei, a atriz chinesa de 33 anos que é a orgulhosa estrela de "Mulan" escolhida entre mais de mil candidatas ao papel da heroína salvadora. Liu escrevera isto durante as brutais repressões policiais e detenções em massa de manifestantes pró-democracia no território autónomo: "Eu apoio a Polícia de Hong Kong. Agora podem atacar-me. Que vergonha para Hong Kong".
A vergonha em Xinjiang
A segunda razão é mais vasta e ateou no Twitter o hashtag #BoycottMulan, que continua a espalhar-se como um alarme estrondoso pelo Mundo. Essa razão chama-se Xinjiang, região do extremo ocidental chinês onde parte do filme foi rodada e que é um local de paisagens de tirar o fôlego entre os caminhos históricos da Rota da Seda. Mas Xinjiang - e aqui é que está o grande imbróglio - é também o vergonhoso local onde o Partido Comunista Chinês embarcou numa campanha chocante de perseguição, repressão e encarceramento em "campos de reeducação" de minorias étnicas, nomeadamente do povo muçulmano uigur.
Está tudo nos créditos finais do filme, que dão "agradecimentos especiais pela assistência na filmagem" a oito entidades políticas, incluindo quatro departamentos de propaganda e um gabinete de segurança pública. E é criminoso, dizem os críticos de "Mulan", como disse a escritora de Hong Kong Jeannette Ng no "Washington Post", que a equipa de um filme de 200 milhões de dólares vá a Xinjian e ignore, como ignorou, o terrível drama humano de quem lá vive. Como é vergonhoso que "a Disney tenha pegado numa lenda rica, embebida em folclore e histórias ancestrais, e a tenha reembalado num drama que regurgita o pior do nacionalismo chinês".
Mas "a Disney dos EUA", como disse ainda Joshua Wong "ajoelha-se perante Pequim", sabendo-se também que a produtora deu o argumento a ler às autoridades chinesas, consultou vários "apparatchiks" locais e acedeu a eliminar cenas a pedido do PC chinês - ossos do ofício: hoje, a bilheteira chinesa já vale mais dinheiro do que as receitas nos EUA.
Doar lucros do filme?
Relata a Reuters que após a detonação da polémica, a China ordenou aos média oficiais que não cobrissem a estreia de "Mulan". No dia 10, Christine McCarthy, diretora financeira da Disney, admitiu que as filmagens em Xinjiang "geraram muitos problemas" à empresa.
Depois disso, o senador Josh Hawley, republicano, escreveu a Bob Chapek, CEO da Disney, a pedir explicações sobre o real envolvimento do Governo chinês. A Human Rights Foundation também protestou e pede agora à Disney que condene explicitamente a violação de direitos humanos, e que faça reparações, doando parte dos lucros para promover direitos humanos em Xinjiang.
Onde é Xinjiang?
A Região Autónoma Uigur de Xinjiang é a zona remota do extremo oeste chinês, lar de 11 milhões de uigures, a minoria étnica muçulmana de cultura própria e língua próxima do turco. A região vê agora os uigures reduzidos a 40%, com aumento gradual da etnia han, a maior de todo o país.
Tem riquezas?
Xinjiang é rica em petróleo e gás natural. Geograficamente é estratégica; é a porta da China para a Ásia Central e faz fronteira com oito países: Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão, Rússia, Mongólia, Paquistão e Índia.
Que abusos há?
Um milhão de uigures, e outras minorias muçulmanas, estão cativos em campos de detenção. São "sujeitos a tratamento cruel e desumano com abuso físico e sexual, trabalho forçado, tortura e morte", dizem os EUA. O pretexto é a "doutrinação política".
Que diz Trump?
Oficialmente, os EUA impuseram sanções a Pequim pela repressão aos uigures. Mas em privado, Trump elogia a "mão firme" do presidente chinês e que Xi deve "manter a construção dos campos de detenção" - são "a coisa certa a fazer", diz.
