Governo prepara mudança da lei para relançar aplicação de rastreio de contactos de risco. O projeto de lei introduz a emissão de códigos automáticos sempre que haja um teste positivo e alarga o fornecimento desses códigos a outros profissionais de saúde. Hoje é uma responsabilidade exclusiva dos médicos. A Comissão de Proteção de Dados (CNPD) recomenda alterações.
Sempre que haja um teste laboratorial positivo à covid, registado no SINAVE (Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica), será automaticamente emitido e enviado um código ao doente, para que possa inseri-lo na aplicação StayAway Covid. O Governo vai alterar o decreto-lei que regula a app portuguesa, criada para facilitar o rastreio de contactos de risco, e procura relançá-la. Contudo, a eficácia desta ferramenta é baixa e tem perdido utilizadores.
Desde o final de agosto até esta quinta-feira, os médicos geraram 14 719 códigos e apenas 3135 foram introduzidos na app, o que corresponde a uma percentagem de 21,3% dos códigos criados. Esses alertas deram origem a 968 chamadas de potenciais contactos de risco para a linha SNS24. Até agora, Portugal já teve com mais de 800 mil infetados. De acordo com os dados enviados ao JN pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, a aplicação foi descarregada 3,12 milhões de vezes.
O Executivo de António Costa, que chegou a enviar para o Parlamento, em outubro passado, uma proposta para tornar a instalação desta aplicação obrigatória em contexto laboral, escolar e académico, na Administração Pública, nas Forças Armadas e nas forças de segurança (retirando-a cinco dias depois da Assembleia da República), preparou agora um projeto de decreto-lei, no qual prevê que o fornecimento de códigos a doentes com covid-19 deixe de ser uma função exclusiva dos médicos. Esta atribuição será alargada a outros profissionais de saúde, como enfermeiros, mas também será introduzida a emissão automática de códigos.
Ao ser registado um resultado laboratorial positivo à covid no SINAVE LAB ou no SINAVE MED, a plataforma Trace Covid enviará o código por SMS para o telemóvel registado nos dados do paciente (recorrendo ao Registo Nacional de Utentes). Porém, o doente continua a ser livre de decidir se quer introduzir ou não o código naquela aplicação. Desde o lançamento da StayAway Covid em finais de agosto, uma percentagem muito reduzida dos códigos gerados foi utilizada face ao elevado número de pessoas infetadas no país. Até esta quarta-feira, foram confirmados mais de 819 mil infetados.
Essa é uma das fraquezas do projeto, que resulta da opção do doente de não usar a aplicação, mas também do facto dos médicos gerarem poucos códigos e desses códigos serem tardiamente enviados aos utentes, sobretudo nos períodos em que existe uma maior pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde devido ao agravamento da situação epidemiológica. Há relatos de infetados que só receberam a informação semanas depois do diagnóstico, quando já não iam a tempo de alertar os contactos de risco.
Reservas da Proteção de Dados
Esta constatação levou a equipa do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), que desenvolveu a aplicação portuguesa, a propor ao Estado o envio automático de códigos diretamente para a aplicação. A proposta foi apresentada ainda em 2020 aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. E conduziu à alteração legislativa que o Governo prepara.
O projeto de decreto-lei que visa alterar o decreto-lei n.º 52/2020, de 11 de agosto, já foi remetido à Comissão Nacional de Proteção de Dados, tendo em conta que implica o acesso a dados pessoais. O parecer da comissão, com data de 24 de março, levanta algumas reservas, considerando que é necessário densificar alguns dos artigos do novo diploma e garantir que a "interoperabilidade do sistema StayAway Covid com outros sistemas e aplicações" usados pelo Serviço Nacional de Saúde (como o Registo Nacional de Utentes ou o SINAVE) não é uma ameaça à proteção de dados. Aliás, a CNPD recomenda que "se reforce a necessidade de adoção de medidas de segurança que protejam a informação e a sua natureza pseudonimizada".
Embora não se oponha à alteração legislativa, a comissão alerta para a necessidade de definir "quais as categorias de profissionais de saúde abrangidas pelo novo perfil de acesso". Isto, porque o diploma alarga a emissão e o fornecimento de códigos a outros profissionais, para além dos médicos, mas não precisa quem poderá fazê-lo.
Na Lei de Bases da Saúde, aprovada em 2019, estabelece-se que os profissionais de saúde são "os trabalhadores envolvidos em ações, cujo objetivo principal é a melhoria do estado de saúde de indivíduos ou das populações, incluindo os prestadores diretos de cuidados e os prestadores de atividades de suporte de profissionais de saúde", como realça o parecer da comissão. Pede-se, então, que o projeto do Governo defina as categorias de profissionais de saúde que passarão a ter a responsabilidade de gerar códigos.