A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, admitiu, esta quinta-feira, que possa ter existido "uma falha" por não ter exigido ler a carta a justificar a escolha de José Guerra para procurador europeu antes de o documento ter sido remetido à Representação Permanente de Portugal na União Europeia (REPER).
A governante ressalvou, porém, que a carta foi elaborada, no seio da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), sob uma grande pressão de tempo. E que, quando foi dado conhecimento ao seu gabinete do conteúdo da carta, já esta fora enviada para Bruxelas.
Van Dunem prestou, esta quinta-feira, esclarecimentos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República sobre os erros curriculares na justificação remetida pelo Governo, a 29 de novembro de 2019, à REPER par explicar a preferência de José Guerra para o lugar de procurador europeu, em detrimento de Ana Carla Almeida.
José Guerra, de 59 anos, fora considerado o candidato mais apto pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), enquanto Ana Carla Almeida, de 57, ficara classificada em primeiro lugar na ordenação do júri internacional, sem caráter vinculativo.
No Parlamento, a ministra explicou que, em novembro de 2019, soube numa reunião do seu gabinete com a DGPJ "que seria necessário informar nesse dia ou no dia seguinte" o Conselho da União Europeu sobre a escolha de Portugal para procurador europeu. Terá sido então que instruiu o diretor de serviço e o diretor-geral de Política de Justiça para indicar a opção por José Guerra e para que tal fosse fundamentado com o currículo daquela magistrado.
Seria "estupidez"
Van Dunem rejeita, contudo, que tenha ordenado que fossem falseados dados curriculares para justificar a escolha do Executivo. Em causa estão a referência a que Guerra está na categoria de procurador-geral-adjunto, superior à sua (procurador da República), e a sua participação na investigação do denominado caso UGT, quando, de facto, só desempenhou funções no julgamento. O processo terminou, em 2007, com a absolvição dos 36 arguidos, acusados de desviar verbas do Fundo Social Europeu para formação profissional prestada por aquela central sindical.
Para a ministra, seria "estupidez" mentir quanto à categoria hierárquica do magistrado. Já quanto à referência ao processo da UGT, assegura que aconteceu num contexto em que recordou o departamento por onde Guerra passara e alguns dos processos que poderiam ser relevantes.
A nota terá sido depois elaborada pelo diretor de serviços, "passou pelo diretor-geral" e foi, no dia do seu encaminhamento para a REPER, comunicada ao gabinete de Van Dunem, que a tratou apenas para "efeitos de arquivo". "A explicação que me deram para não ter ido anteriormente a revisão foi haver uma grande pressão da REPER naquela altura", sublinhou, acrescentando que partiu "do pressuposto que há um alinhamento" entre as suas "indicações" e o conteúdo do documento. Reconheceu, ainda assim, que se trata de "erros palmares".
Carta não foi decisiva
Van Dunem defendeu, porém, que as incorreções "não tiveram influência na decisão que foi tomada" pelo Conselho da União Europeia, a quem compete a nomeação dos procuradores europeus. "Dificilmente alguém no Conselho saberia a diferença entre procurador-geral-adjunto e procurador da República", afirmou Van Dunem, para quem a distinção até se perdeu na "tradução imprecisa para inglês" da carta.
A governante alegou igualmente que o que é relevante é a "experiência de investigação" nas matérias abordadas pela Procuradoria Europeia. "Não é por ter feito um julgamento em concreto que o [Conselho] vai tomar uma decisão". E destacou que se trata apenas de um documento de todo o processo de seleção, que inclui os currículos dos candidatos.
Mais de um ano depois, a ministra mantém, de resto, que José Guerra foi a escolha mais apropriada para o lugar de procurador europeu: "Ainda hoje entendo que foi a solução mais correta, mais justa, face aos candidatos que existia."
Questionada sobre se entende que, face à polémica que se gerou, tem condições para se manter no Executivo liderado por António Costa, Van Dunem respondeu que sim. O diretor-geral então em funções, Miguel Romão, demitiu-se a 4 de janeiro de 2020. Os erros, tornados públicos no final de dezembro por SIC, Expresso e RTP, já foram corrigidos.