A chamada "nova variante do Nepal" que está na origem da retirada de Portugal da "lista verde" britânica não é nem nova nem sequer uma variante do Nepal. É uma mutação do vírus já conhecida e ainda em estudo. Para já, não é razão para alarme.
Foi com base na suposta existência em Portugal de 68 casos de uma "espécie de mutação do Nepal da chamada variante indiana" que o Reino Unido justificou, na quinta-feira, a decisão - incompreendida pelo Governo português - de retirar o país da "lista verde" de viagens (que permite aos cidadãos residentes no Reino Unido viajarem sem terem de cumprir dez dias de quarentena no regresso e os escusa de fazerem dois testes PCR). O ministro dos Transportes britânico, Grant Shapps, adiantou que a decisão, fortemente criticada pelo presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal, reflete uma "medida de segurança", tendo em conta que não é claro se a vacina contra a covid-19 poderá ser eficaz nesta mutação, sobre a qual há muitas perguntas a responder.
Existe uma variante do Nepal?
Uma mutação do SARS-CoV-2 foi detetada no Nepal, mas isso não significa que tenha sido encontrada uma nova variante do vírus. Aliás, a Organização Mundial de Saúde (OMS) diz não ter "conhecimento de nenhuma nova variante do SARS-CoV-2 detetada no Nepal", onde a variante dominante é a indiana. Para já, um reduzido número de casos dessa variante foi identificada como tendo uma mutação extra.
Qual é a mutação e em que variantes existe?
A mutação de que falamos é a K417N, situando-se na proteína da espícula (ou "spike"), responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas. Não é nova: já tinha sido encontrada na variante inicialmente detetada na África do Sul (agora designada Beta), antes de, mais recentemente, ter sido encontrada na variante indiana (Delta).
Quando é que uma mutação se torna uma variante?
É normal os vírus sofrerem mutações, mas nem todas são drásticas o suficiente, com impacto na transmissão ou na gravidade, para serem consideradas novas variantes, como aconteceu com a variante Alfa, identificada no Reino Unido, a Beta, da África do Sul, e a Delta, da Índia. Se as mudanças do vírus deixarem as pessoas mais doentes ou com mais resistência às vacinas, então será atualizado para uma "variante de preocupação", o que, até agora, ainda não aconteceu com a mutação do Nepal. No Reino Unido, a K417N ainda é categorizada como uma "mutação de interesse".
Quantos casos há no mundo e em Portugal?
Atualmente, há cerca de 90 casos da variante Delta com esta mutação no mundo todo, 12 dos quais detetados em Portugal. Este número foi avançado na quinta-feira pelo microbiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) João Paulo Gomes, que assegurou que o número anunciado por Londres (68) não corresponde à realidade. A presença da variante indiana em território português está nos 4,8% (dentro desta percentagem estão os 12 casos da mutação).
É motivo para alarme?
Além de ter estranhado a decisão britânica e o alarme a ela associado, João Paulo Gomes disse que a mutação merece vigilância, mas sublinhou que os casos detetados em Portugal são poucos, estão concentrados e perfeitamente identificados em pequenas comunidades. Entrevistado ontem na SIC Notícias, o especialista explicou que o que está em causa é uma sub-linhagem da variante indiana (o processo de evolução das variantes é normal) e que se trata de uma variante indiana e não de "uma super variante". Está, assim, a "fazer-se uma tempestade num copo de água".
A mutação pode tornar o vírus mais perigoso e resistente?
A mutação "pode" dar um pouco mais de transmissibilidade, mas não é um dado adquirido. "Não há qualquer evidência de que esta sub-linhagem seja pior. Os ingleses acham que ela se vai portar mal. Com 90 casos em todo mundo, o que me ocorre dizer é que isto é uma tempestade num copo de água", disse o perito ao "Público".
Por seu turno, o diretor da Iniciativa Genómica da Covid-19 no Instituto Wellcome Sanger, no Reino Unido escreveu, no Twitter, que "uma variante altamente transmissível com esta mutação pode ser mais problemática e, por isso, os cientistas estão a observar mesmo essas 90 sequências em todo o mundo com atenção", ressalvando no entanto, não ser "algo com que as pessoas no geral devam estar preocupadas por agora". Jeffrey Barrett indicou ainda que esta mutação, presente na variante B.1.351/Beta (da África do Sul), pode ser a razão pela qual "essa variante não seja tão eficazmente neutralizada pelas vacinas". "Devido a esta possibilidade, e porque a Delta parece ser mais transmissível do que a Beta, os cientistas estão a monitorizá-la com precaução", explicou o perito.