21 de abril de 1989

Polícias contra polícias: rumo à liberdade sindical

Polícias contra polícias: rumo à liberdade sindical

Há 34 anos, o país assistia inesperadamente a algo nunca antes visto: na tarde de 21 de abril de 1989, agentes da PSP em três carros de água e sete carrinhas com polícias de intervenção dispersaram ao usar bastões, canhões de água e cães centenas de colegas fardados que acompanhavam, num protesto pacífico, uma delegação pró-sindical que tentava entregar uma moção no Ministério da Administração Interna sobre os problemas que a classe enfrentava, exigindo que fosse legalizada a criação de um sindicato de polícias.

Em reportagem no Terreiro do Paço, o Jornal de Notícias (JN) acompanhava os centenas de polícias concentrados em frente ao ministério numa "forma de pressão" para a tutela receber de uma delegação da Associação Pró-Sindical da PSP (APS/PSP) uma moção aprovada dias antes no segundo encontro nacional dos profissionais da polícia, na Voz do Operário.

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Apelavam ao Governo que dialogasse com a associação, exigindo o arquivamento de todos os processos disciplinares abertos por atividades pró-sindicais na Polícia consideradas ilegais na altura.

Os manifestantes foram apanhados de surpresa por cerca de mil agentes fardados e à paisana que, perto das 18.45 horas, começaram a disparar milhares de toneladas de água. Primeira vez que a PSP usou canhões de água e contra a própria polícia. Nem os populares que por ali passavam foram poupados. "Fascistas, fascistas", gritavam. O protesto ficou por isso conhecido como "secos e molhados" e abriu portas à liberdade sindical da PSP.

Nas varandas da sede do ministério, alguns agentes que participaram na manifestação filmavam-na para ajudar na abertura de processos disciplinares. Entre a violência que pairava na Praça do Comércio, alguns agentes estavam solidários para com os seus companheiros.

Quando a água esgotou, pela primeira vez, avançou a polícia de intervenção com cães-polícia. "Gerou-se algum pânico, ao mesmo tempo que os manifestantes tentavam desesperadamente explicar as "razões de uma causa que era de todos"", escrevia o JN. Os seis representantes da delegação pró-sindical, entre os quais o comissário e coordenador da ASP/PSP, José Carreiras, acabaram por ser detidos.

Depois das 19 horas, o que parecia ser um recuo das forças repressivas foi apenas uma "manobra de realinhamento operacional para reabastecer os tanques de água", escrevia o jornal. A dispersão dos protestantes ganhou força e aumentava o número de feridos.

A Cruz Vermelha acabou por ter de assistir mais de uma dezena de feridos no local e alguns dos manifestantes foram transportados para o Hospital de São José. Apesar da repressão policial, o então coordenador-geral da CGTP, Carvalho da Silva, e da UGT, Torres Couto, insistiam que iriam permanecer no local até que regressassem os seus companheiros. Acabaram feridos durante a ação.

Na mesma página do jornal, o JN incluía a reação do Comando-Geral da PSP que garantiu na altura ter atuado apenas contra os "desordeiros", acusando os agentes que participaram no protesto de incorrerem no "crime de desobediência agravada". Já o ministro da Administração Interna, Silveira Godinho, lamentou os feridos que saíram do protesto, mas defendeu que a segurança tinha de ser cumprida.

Dois dias depois dos confrontos, o JN noticiava as várias reações à repressão daquele final de tarde. Entre as várias associações, a luta dos profissionais da PSP recebeu o apoio e a solidariedade da Direção da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, dos militares da Guarda Fiscal.

O protesto ficou conhecido internacionalmente e teve o apoio da União Internacional dos Sindicatos da Polícia, bem como do Conselho Europeu dos Sindicatos de Polícia que meteu uma nota de repúdios ao ministro português por não aceitar a sindicalização da PSP. O então presidente da República, Mário Soares, não quis comentar a situação. Já o primeiro-ministro, Cavaco Silva, acusou o PS, o PCP e forças "extremistas" de estarem por detrás das movimentações da PSP.

O episódio continua até hoje na memória de muitos polícias que recordam o momento como a ação que deu liberdade sindical à PSP. Após o 25 de abril vários governos não consentiram o reconhecimento de um sindicato de polícias. Na altura do protesto, o máximo que o governo de Cavaco Silva propunha seria a criação de uma associação deontológica da PSP, mas nunca sindical.

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