Na arquitetura parlamentar ditam as boas práticas que exista uma entrada direta de luz. Esta prática, visível no Parlamento português (como no Congresso dos Deputados espanhol) pela existência de uma claraboia (raramente filmada e portanto algo desconhecida), tem também um sentido figurado: nos parlamentos a discussão acontece às claras e não em "salas fechadas" ou às escondidas do povo.
A entrada de luz significa simultaneamente claridade, transparência e abertura. Esta abertura e transparência relaciona-se figurativamente, portanto, com as vantagens do parlamentarismo: a existência de discussões abertas, de conhecimento público e onde cada partido expõe os seus argumentos, as suas posições e propostas e onde se vota e os processos são escrutinados pelo povo e pela comunicação social.
Vem esta curta nota sobre arquitetura parlamentar a propósito das negociações em curso sobre o Orçamento do Estado para 2022, em que três partidos e o Governo negoceiam à porta fechada, de forma não transparente e portanto, de forma não escrutinável, o Orçamento que terá reflexos na vida dos portugueses. Quem tem proposto o quê? Quem tem rejeitado o quê? Quanto custa cada medida aceite e de onde se retira essa verba? O que deixa de se fazer? Quem assume a responsabilidade por quais medidas? Tudo isto é feito à socapa e longe dos olhares e dos ouvidos dos portugueses, negando a transparência e a fiscalização do processo nesta fase crucial.
E de resto, quando vier o Governo anunciar uma ou outra medida, arrogando-se da mesma, como saberemos se foi de facto por vontade do Governo ou por vontade de um partido da extrema-esquerda que essa medida foi inscrita? Como sabemos se o Governo não assume agora como sua apesar de na negociação poder ter estado contra? Na verdade não sabemos. É por isso que esta forma de negociar o Orçamento a que temos assistido não é séria nem transparente e representa, de alguma forma, a negação do parlamentarismo.
Importa resgatar a negociação dos Orçamentos com os partidos para o Parlamento, para que a oposição e os portugueses possam conhecer verdadeiramente os meandros da construção dos mesmos. Assim, conheceríamos melhor a natureza do que se tem deixado de fazer, de manter, de investir para que o PS continue a comprar as suas clientelas eleitorais, arrastando sistematicamente o país para uma dívida galopante, e assim, a cada ano que passa cada vez maior. E desenganem-se se pensam que a dívida apenas cresceu por causa da pandemia, sendo antes uma cadência regular desde a geringonça.
É tempo de, sem que para tal se tenha de aumentar a claraboia, se exigir mais transparência e clareza.
*Eurodeputada do PSD
