Parafraseei aqui o título - "A história é o meu combate" - de um livro de entrevistas com o historiador francês Pierre Vidal-Naquet (1930-2006), inimigo declarado do negacionismo. Negacionismo era, especificamente, a negação do Holocausto, mas o termo perdeu especificidade. Durante a pandemia de covid-19, muito se falou em negacionistas, e hoje temos negacionismo (ou revisionismo) de Estado, com a promoção de comemorações oficiais do cinquentenário do 25 de Novembro, equiparando-o ao 25 de Abril e negando a este prevalência.
Sintetizemos o 25 de Novembro: a) foi um de vários episódios marcantes de um processo revolucionário iniciado em 25 de abril de 1974 e consumado na Constituição de 1976; b) esse processo não é o PREC, sigla associada à apropriação da revolução pela extrema-esquerda; c) em novembro de 1975, o gonçalvismo já era, o VI Governo Provisório, mesmo em greve (!), seguia outro caminho, PS e PPD eram as duas maiores forças na Assembleia Constituinte, o que significa que ações como o cerco a S. Bento não traduziam a esmagadora vontade popular; d) após o 25 de Novembro, governo e assembleia prosseguiram os seus mandatos; e) é plausível que o 25 de Novembro (militares "moderados" a travar ações de militares "extremistas") tenha anulado a possibilidade de guerra civil (em combinação com a decisão do PCP de não enveredar pelo conflito), mas não pacificou o país, como mostram os crimes da rede bombista de extrema-direita em 1976; f) o 25 de Abril libertou Portugal após 48 anos de ditadura e une os portugueses que amam a liberdade, não sendo propriedade de qualquer força política; g) o 25 de Novembro desune e é abusivamente posto em confronto com o 25 de Abril, devido à ideia errada de que os abusos libertários (esquerdistas, sejamos honestos) correspondiam ao espírito original dos capitães de Abril (os militares de Novembro eram, claro, militares de Abril).
Isso é história, e muitos políticos, quando se metem na história, não o fazem por apego à verdade ou para promover a iluminação dos espíritos. Querem, sobretudo, marcar posições e agradar a clientelas. A história, que é também o meu combate, tem um compromisso com a verdade e é hostilizada por quem, como o governo português, se mete nestes caminhos. Prezo mesmo muito a normalidade constitucional democrática que se construiu entre nós, mas teria de ser louco para equiparar, em importância, o 25 de Novembro ao 25 de Abril.

