Como a ideia me surgiu
Foi durante o café da manhã que tudo aconteceu. Na edição da "Ilustríssima" (o caderno de cultura que a Folha de S. Paulo publica diariamente), a imagem que ilustrava o artigo sobre um evento literário em Marraquexe chamou a minha atenção.
Corpo do artigo
À primeira vista parecia ser uma seara recortada em tons vermelho-ocre, onde homens trabalhavam; mas, olhando com mais atenção, essa seara também podia ser um mercado de tapetes persas; mas de mais perto ainda, e tentando escapar a qualquer ilusão de ótica, os retângulos dispostos aleatoriamente eram afinal uma colagem de livros gigantes.
Eles dispunham-se de capa para cima, como uma biblioteca horizontal espreguiçando-se ao sol, e os homens eram os leitores que os abriam como alçapões, desaparecendo depois dentro deles, como quem desce para uma cave à procura de um vinho velho ou pura e simplesmente desaparece no inferno.
A legenda dessa imagem múltipla e confusa trazia uma inesperada advertência a quem a mirasse com atenção: "Juan Goytisolo não existe". Assim, apesar de o escritor catalão viver presumidamente há três décadas nesta cidade onde a fotografia dos livros-tapete-seara foi captada, e um homem com a mesma face como a que se imprime nas capas dos livros ser frequentemente visto nas ruas da cidade.
Mesmo sendo o escritor catalão supostamente o autor de mais de 30 obras, um conjunto de especialistas reunidos no Café de Ville, perto da praça central onde vivem os encantadores de serpentes e vendedores de água, garantia que esse personagem era a invenção de um círculo de 28 pequenos editores, que o criaram para poderem aglutinar, sob uma única face, as suas minguadas produções, criando a partir de uma infinidade de fragmentos anónimos uma realidade que nunca existiu.
Foi nesse momento que a ideia me surgiu.
*Especialista em Media Intelligence

