O processo de saída do Reino Unido da União Europeia conheceu nas últimas semanas uma pausa, com o adiamento da data de saída e negociações entre os conservadores e os trabalhistas para aprovação do acordo de saída.
É cedo para fazer um balanço. Mas há lições que podem já extrair-se deste processo, com o qual nem a democracia mais antiga do Mundo está a conseguir lidar.
Em primeiro lugar, a decisão em referendos de questões complexas, cujo alcance não é ainda previsível, é indesejável, porque vulnerável ao populismo e porque não pode ter em conta todos os termos em que a decisão saída da votação poderá ser implementada. A democracia direta tem limitações, sobretudo quando impõe um mandato cujo alcance tem de ser negociado externamente. É, por isso, compreensível que, perante os termos do acordo que foi possível negociar, muitos peçam novo referendo - e sem que isto signifique qualquer desrespeito pela vontade popular manifestada anteriormente.
Em segundo lugar, é possível um Estado-membro sair da União Europeia. O Reino Unido só não saiu até agora por causa da decisão tomada pelos conservadores, de não participar futuramente numa união aduaneira com a União Europeia (querendo ter política comercial externa própria), que é incompatível com o seu problema específico na Irlanda do Norte (com a inexistência de uma fronteira física entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte).
Em terceiro lugar, porém, quem quer sair deve estar preparado para enfrentar as consequências - mesmo que política e economicamente muito gravosas -, e, sobretudo, tem de saber o que quer. Não pode pretender coisas contraditórias, como ter uma parte do seu território integrado na união aduaneira (a Irlanda do Norte) mas estar fora dela, sem ter uma fronteira interna (no caso, no mar da Irlanda). Não vale a pena negociar com a União Europeia querendo tais objetivos contraditórios.
Em quarto lugar, os parlamentos - mesmo o Parlamento mais antigo do Mundo - não são instâncias adequadas para gerir negociações internacionais. Para confirmar isto, bastou ver o espetáculo das "votações indiciárias", entre si contraditórias, e a ausência de um resultado correspondente a uma posição clara, defensável perante o exterior - a culminar na votação que proibiu um Brexit sem acordo, mas sem maioria por qualquer acordo. Não é por acaso que - e sem prejuízo da necessidade de ratificação ou aprovação parlamentar -, tradicionalmente, as negociações exteriores são conduzidas pelo executivo.
Por último, e como seria de esperar, é claro que, estando fora da União ou a negociar a saída, não pode pretender-se o mesmo peso negocial que estando dentro - como o Reino Unido pôde verificar quando se deparou com a solidariedade de toda a União com a Irlanda. É naturalmente diferente estar na União Europeia, a negociar em Bruxelas com os outros estados-membros os termos da governação desta, de negociar como terceiro com a União, ou de negociar os termos da saída.
*Professor universitário
