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Entre a acusação a Sócrates, a questão da liderança do PSD e o trágico regresso dos incêndios florestais, a apresentação do Orçamento do Estado passou relativamente despercebida. A discussão especializada vai agora começar, mas os sinais políticos já estão todos dados na proposta do Governo. E esses sinais apontam todos no caminho errado.
Em termos de liberdade de opinião, valem tanto a defesa da consolidação e da sustentabilidade das finanças públicas como a tese da reposição de rendimentos e os argumentos favoráveis a uma maior redistribuição da riqueza. Sucede que Portugal não é um Estado rico, muito menos as suas contas são equilibradas. O que faz toda a diferença.
O Orçamento para 2018 marca o crescimento da despesa do Estado, o aumento do funcionalismo (em número e em custo associado), a par da penalização do setor produtivo (privado, naturalmente). Não querendo ser maçador com detalhes, sinalizo as medidas mais emblemáticas que o demonstram: redução dos escalões mais baixos do IRS, aumento das pensões, descongelamento (mais ou menos faseado) das carreiras da administração pública e levantamento de algumas restrições à contratação de funcionários. Do outro lado da balança estão o aumento da carga fiscal às grandes sociedades e a negação da redução do IRC.
A proposta do ministro das Finanças não é apenas evidentemente eleitoralista nem apenas visa contentar os interesses do PCP e do Bloco. Trata-se de um documento com orientações irresponsáveis (a dívida pública não só não é abatida, como pode continuar a aumentar), penalizador do trabalho e da criação da riqueza (metade das famílias não paga IRS; quase 80% da receita fiscal é suportada por um décimo dos contribuintes).
Em suma, o Estado alarga e engorda. Pagará mais aos seus funcionários e aos seus dependentes, criará novos vícios e recuperará maus hábitos. A despesa pública aumenta novamente. É certo que todos os indicadores, do crescimento ao desemprego, são atualmente favoráveis. Como é certo que, no dia em que o desempenho económico fraquejar, o Estado não terá condições para pagar as suas contas. Nessa altura, chame-se ela troika, austeridade ou ajustamento, a fatura vai chegar. E vai ser dura e pesada, tanto ou mais do que no passado. Não aproveitar o ciclo positivo que vivemos para pagar dívidas e aumentar a produtividade - procurando antes ganhos eleitorais de curto prazo -, é um erro. Vamos pagá-lo.
Em junho, escrevi nestas páginas, a propósito de Pedrógão Grande, que "a calamidade põe a nu a incompetência do Estado no exercício das suas funções elementares". Por respeito às vítimas de mais uma vaga de incêndios, limito-me a repetir o que penso.
EMPRESÁRIO E PRES. ASS. COMERCIAL DO PORTO