Capicua"Viver é melhor que sonhar"Senhoras e senhores, há que interromper o espetáculo da aparente normalidade, para ouvir Keyla Brasil e a comunidade trans. São só três minutos que nos pedem. Não pode custar assim tanto. Que há a temer? Sair do ramerrame? Ser acordado à força? Que as coisas nunca voltem a ser como dantes? Percebo que seja chato que nos desarrumem assim uma quinta-feira de janeiro, mas podemos pelo menos fingir que nos importamos com a sobrevivência de outros seres humanos e que ainda nos resta uma centelha de empatia? Se fosse um alarme de incêndio, ou uma ameaça de bomba, seria menos incómoda a interrupção? Afinal esta também é uma emergência. Também estamos perante uma questão de sobrevivência. Também estamos perante a nossa própria sobrevivência enquanto comunidade (no sentido mais vasto).
CapicuaA casa própria da HabitaçãoO problema da habitação em Portugal tem barbas brancas, mas finalmente, em pleno 2023, ganha um ministério para chamar de seu.
CapicuaA turbaO processo de degradação de uma democracia envolve muitos e complexos fatores, várias etapas, dinâmicas que se vão instalando e uma progressiva acomodação das novas normalidades, para que, como hábito, se instale um novo paradigma. A história da última década no Brasil é exemplo disso e, até por cá, houve quem engrossasse o coro de legitimação do impeachment de Dilma (rejeitando a palavra "golpe"), de normalização do candidato e depois presidente Bolsonaro, como um "mal menor", em contraponto a Lula e ao PT (devidamente demonizados), e até quem adotasse o seu jargão, importando expressões como "ideologia de género" ou "marxismo cultural".
CapicuaRecomeçar (mas com calma)Um ano novinho em folha e, pela primeira vez, não tenho planos, projetos na calha ou metas a curto ou a médio prazo. Algumas ideias vagas de coisas que gostaria de escrever e uma desmotivação imensa para fazer música é tudo o que restou destes últimos anos de recém-maternidade-pandemia-e-tentativas-de-recomeço, em que (ainda que com muito menos concertos) trabalhei muito.
CapicuaO dia a seguir ao NatalO dia depois do Natal é uma nuvem de papel de embrulho esfarrapado e um "pijama" de restos. Vivemos um excesso dionisíaco durante uns dias e, na ressaca, fica ainda mais vívido o quanto é insustentável.
CapicuaCubaHá muitos anos que tinha vontade de ir a Cuba. Fui adiando, ouvindo sempre que se demorasse muito, as mudanças inevitáveis transformariam a ilha numa espécie de Miami de marca branca. Ora apesar de ter chegado depois da morte de Fidel e já depois de Raul Castro sair do poder, cheguei a tempo. Cuba, definitivamente, ainda não é Miami e, para o bem e para o mal, está muito longe disso.
CapicuaBomba-relógioUm consórcio de investigadores suecos e suíços, que durante mais de uma década recolheu e analisou água da chuva, anunciou recentemente que esta já não é potável em nenhuma região do globo. A presença dos chamados "químicos eternos" é uma constante, até mesmo na Antártica ou no planalto tibetano.
CapicuaDesassossegoOs quarenta anos sobre a primeira edição do "Livro do desassossego" e o aniversário da Casa Fernando Pessoa (e da morte do autor) eram o pretexto. Fui convidada para participar de uma leitura de excertos do livro, juntamente com o Carlão, acompanhados (na música) por Pedro Geraldes. E esse foi, por sua vez, o pretexto para reler o conjunto de fragmentos que compõe a maior obra de Pessoa.
CapicuaRosalíaNo Instagram, mil fotografias e vídeos do concerto da Rosalía em Lisboa. Relatos entusiasmados, boas críticas e ecos de uma ótima noite. Nada mais distante da minha experiência, dois dias antes, em Braga. Fiquei na dúvida. Terá sido mesmo assim e bastou mudar de sala para melhorar muito a qualidade do espetáculo? Terei sido só eu a desgostar e há uma espécie de desencontro entre este tipo de concerto e as minhas expectativas? Ou é simplesmente a ilusão de perfeição que se projeta nas redes sociais e estas pessoas sentiram o mesmo que eu?
Capicua90 minutosComeçou o Mundial de futebol. Um mês inteiro com vários jogos por dia, muitos programas de comentário, tweets, notícias e rubricas, muita publicidade, passatempos e cadernetas de cromos, e obviamente muita conversa de café e de barbeiro sobre o assunto.
CapicuaO lado errado da históriaÉ uma evidência histórica, a descredibilização de uma luta chega sempre de mãos dadas com a sua repressão. Foi assim com o feminismo, tem sido muitas vezes com a luta LGBT e, ultimamente, com os jovens ativistas pelo clima.
CapicuaA luta que nos pariuHá um ano realizava-se a primeira manifestação contra a violência obstétrica em Portugal. Na altura, o objetivo mais direto era exigir o seu reconhecimento por parte da Ordem dos Médicos que, pouco antes, havia declarado que a expressão era ofensiva para os profissionais de saúde e que não existiam práticas que configurassem violência nos cuidados de saúde materno-infantis no nosso país.
CapicuaVitória (mas pouca)Lula venceu por um triz. Uma margem de dois milhões e pouco de votos, não chegando sequer aos 51%. A eleição foi tão disputada que houve duas cidades em que a diferença de votos foi de um. Vencer ou perder por um voto é mesmo uma realidade. Apesar de muitas vezes parecer retórica de noite eleitoral. E ainda que esteja aliviada com a eleição de Lula da Silva, não consegui celebrar a vitória, precisamente porque não me parece uma vitória. Se pensarmos que Haddad perdeu em São Paulo e que, tal como já tinha acontecido no Rio e na maioria dos estados, os bolsonaristas venceram. Se pensarmos na quantidade de lugares que os bolsonaristas ganharam no Senado. Se pensarmos que foram mais as cidades onde Bolsonaro venceu do que as que perdeu. E se pensarmos no bolsonarismo que, entretanto, se estabeleceu na máquina do Estado, na toxicidade do debate público, na lógica armamentista de disseminar a violência sob a desculpa da autoproteção, percebemos que o Brasil é um país inquinado, dividido ao meio e que Lula terá um trabalho muitíssimo difícil.
CapicuaPrecisamos de falarPrecisamos de falar. Como país em que, segundo os dados da Pordata, a pobreza aumentou muito com a pandemia e em que, contando apenas com os rendimentos, passámos a ter cerca de 4,5 milhões de pessoas em situações de pobreza em 2020 e, mesmo com apoios sociais, 2 milhões de pessoas passaram a viver abaixo do que seria aceitável como sustento digno.
CapicuaCarta ao ministro da SaúdeSenhor ministro, enquanto mulher, mãe, cidadã e contribuinte escrevo-lhe esta carta aberta, com toda a preocupação e na esperança de que possa tomar a melhor decisão política, apesar do parecer técnico da Comissão de Acompanhamento responsável pelo estudo da situação das urgências obstétricas em Portugal. A Comissão, composta apenas por representantes das administrações regionais (quase todos homens) e sem qualquer representação de associações de utentes, de associações de defesa dos direitos das mulheres na gravidez e no parto, de obstetras, anestesistas, pediatras ou EESMO, e cuja proposta de solução para o problema das urgências obstétricas passa por fechar maternidades, não representa de forma nenhuma os interesses certos.
Capicua"Boa sorte, Leo Grande"Há poucos dias fui a Lisboa a trabalho, com a agenda do dia cheia para rentabilizar a viagem. Durante o almoço recebo um SMS a cancelar um dos compromissos praticamente em cima da hora. De repente, num dia que se esperava cheio, ganhei duas horas livres a meio da tarde. Noutra altura da minha vida ficaria incomodada com o imprevisto e tentaria a todo o custo canalizar o tempo para outras tarefas, como responder a emails ou pagar as contas do mês. Mas desde que fui mãe, ganhar duas horas a meio da tarde é motivo de fruição. Fui ao cinema!
CapicuaBrasilA esperança de que Lula fosse eleito à primeira volta não se verificou. Bolsonaro ficou bem acima do que indicavam as sondagens e, apesar do segundo lugar, o bolsonarismo venceu no Senado, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais e conseguiu a eleição de muitos deputados. O mapa do Brasil está dividido a meio. Nos estados mais pobres e nos extratos mais baixos da população tudo é vermelho. No Sudeste e na classe média, alta e muito alta, o voto é para o atual presidente. A tensão cresce muito e temo que as longas quatro semanas de campanha que agora começam tragam ainda mais polarização e casos de violência.
CapicuaEscolas para o século XXIAinda há poucos dias ouvia com muito interesse as sábias palavras do professor José Pacheco (pedagogo, fundador da Escola da Ponte e uma figura incontornável para quem estuda e pesquisa novas possibilidades de educar) no podcast Conversas Daninhas, concordando que, de facto, a maioria das escolas de hoje são compostas por alunos nascidos no século XXI e professores do século XX, mas mantendo ainda lógicas de funcionamento e de ensino do século XIX.
CapicuaA valsaNos últimos anos, com o advento das redes sociais e com o reforço do protagonismo de muitas comunidades até então invisibilizadas e suas lutas, o debate público complexificou-se. É certo que a toxicidade das disputas aumentou, mas o seu interesse também, no sentido em que, se antes a discussão pública era (no máximo) um diálogo (entre esquerda e direita, na maioria das vezes), hoje é sem dúvida uma polifonia
CapicuaDanúbioAs primeiras chuvas de final de verão salpicam a vidraça e instalam um outono precoce. Ocorre-me o Danúbio. A chuva não chega para colmatar tantos meses de seca e a escassez não é só de água.
CapicuaMarta TemidoBem sei que vivemos num país (e num Mundo) em que elogiar é difícil. Não só porque vivemos na era dos linchamentos prontos a qualquer deslize, como também porque parece que as pessoas reais, com erros e defeitos, não são dignas de louvor pelos acertos, por estarem maculadas pela sua imperfeição intrínseca.
Capicua"Aquário"Hoje é um dia importante na minha vida e, longe de querer cair na autopromoção (um dos mais irritantes tiques do nosso tempo), venho dizer-vos que o meu primeiro livro chegou às livrarias. Estou, obviamente, muito feliz. É uma daquelas vitórias pessoais de pôr medalha imaginária na lapela, mas é também o fechar de um ciclo muito marcante de seis anos de crónicas quinzenais na revista "Visão". Sendo o livro uma seleção das minhas crónicas favoritas, com outros pequenos textos inéditos, poemas e algumas letras, escritos entre 2015 e 2021.
Capicua(A)gostoAgosto. Atravessar o país e ver as chagas de floresta queimada por longos e penosos quilómetros na berma da estrada. Terra queimada de um lado e de outro na A1 e aqueles eucaliptos fantasmas, carbonizados mas ainda de pé, lembrando que a monocultura tem preço e a conta chega ano após ano.
CapicuaOitenta Caetano Veloso fez 80 anos e eu fiquei até de madrugada a ver na Globoplay o concerto comemorativo que deu com os seus três filhos (Moreno, Zeca e Tom) e sua irmã Maria Bethânia. Foi tão emocionante que, quando acabou, tive dificuldade em serenar o coração para encontrar o sono. Que bênção poder ver em tempo real, ainda que online, aquele momento acontecer. Aquela representação da Beleza. Aquela celebração da Vida e da Família. Que bênção ser contemporânea de tamanho Talento.
CapicuaA propósito da Semana Mundial do Aleitamento Materno...Amamentei o meu filho por dois anos e três meses. Não foi fácil. Arrisco dizer que, no início, quase nunca é, porque a adaptação inicial é complexa e necessita muitas vezes de ajustes e ajuda especializada. É tudo muito menos intuitivo do que se possa pensar. Além de que compromete muito a nossa liberdade de ir e vir (e isso nunca é de somenos, sobretudo no primeiro impacto com a experiência da maternidade). Já para não contar os muitos episódios de ingurgitamento mamário e pré-mastites que tive e que só foram controláveis (e ultrapassados por mim própria) porque comecei muito bem informada e munida de muitas dicas úteis de gente especializada. Aliás, nisto da maternidade (do parto a tudo o resto), a informação é a maior chave para a nossa autodeterminação. Além, obviamente, da rede de apoio (que tive sempre).