A polémica foi lançada já em março num artigo publicado no "Financial Times", no qual a jornalista Marianna Giusti colocava em causa a origem da pizza e de outros pratos que são hoje uma marca da cozinha italiana, tendo por base pesquisas do universitário marxista Alberto Grandi. Em Itália, os média nacionais reagiram com indignação a este homem que é autor de um popular podcast dedicado a desconstruir os mitos da cozinha do seu país. A polémica continua a fazer caminho.
O assunto faz capa esta semana na revista "Courrier International" e constitui o tópico do editorial do diretor que coloca em título a mesma interrogação desta crónica. É um tema polémico e incómodo em Itália. "Um assalto à cozinha italiana", considerou já "Il Giornale". "Um ataque surreal que faria rir, se não comportasse riscos sérios para a economia", avisou "La Stampa". As reações parecem não atemorizar Grandi, seguidor de Eric Hobsbawn, historiador britânico, também marxista, que se dedica a teorizar o conceito de "invenção da tradição". Da carbonara à pizza, passando pelo panetone ou tiramisu, nada é poupado. E a explicação é simples: antes dos anos 50, a cozinha italiana era extremamente pobre, começando a partir daí a criar uma marca muito por influência dos italianos que emigraram para os EUA e dos americanos que vieram para Itália no contexto da Segunda Guerra Mundial. Procurando a génese das pizzarias, Grandi encontra-a em 1911 em Nova Iorque, ano em que abre a primeira pizzaria do Mundo.
Tudo isto é devastador para a rígida cozinha italiana, cheia de regras, como a que interdita o cappuccino à tarde e fixa em sete milímetros a largura do tagliatelle. No entanto, mais do que celebrar uma espécie de "gastronacionalismo", a cozinha de um país é hoje um "soft power" que vale milhões. E isso conta no momento de celebrar a comida como mito fundador de um lugar. Por isso, é conveniente considerar Grandi uma espécie de "persona non grata" em Itália, procurando desacreditar todas as suas teses desconstrucionistas.
Não se pense, porém, que apenas Itália sofre estes ataques. A especialidade de pastelaria denominada Trdelnik é colocada em dúvida como sendo uma marca de Praga; o ceviche constitui hoje um prato típico reclamado simultaneamente pelo Peru e pelo Japão; e a refeição emblemática da Tailândia pad thai parece não ter a tradição milenar que sempre aí se apregoou...
Um pouco por todo o lado, os média noticiosos começam a despertar para esta tematização. Não porque haja um cuidado especial em procurar traços identitários de um país, mas, acima de tudo, porque a gastronomia integra agora um poderosíssimo mercado do turismo com ferozes regras de concorrência. O ataque e a defesa fazem parte das estratégicas mais básicas.
*Prof. associada com agregação da UMinho