Sou viciado em romances policiais. Li compulsivamente tudo quando apanhei da Agatha Christie, Stanley Gardner, Maurice Leblanc, Georges Simenon, Conan Doyle, Edgar Allan Poe, Henning Mankell, Stieg Larsson e Rex Stout - para citar só os autores que mais me viciaram. Neste momento, estou a proceder a uma leitura vertical da obra de Manuel Vázquez Montalbán, após o que regressarei ao Andrea Camilleri.
"O assassinato de Roger Ackroyd", de Agatha Christie, é a resposta que daria se alguém me perguntasse qual o meu policial preferido. Descobrir qual é o culpado (deixou de ser sempre o mordomo) já não é obrigatoriamente o maior ponto de interesse de uma intriga policial, mas continua a ser um ingrediente importante. E o truque do criminoso ser o narrador é tão magistralmente sublime quanto irrepetível.
Apurar a identidade do criminoso que deixou à beira da morte os Estaleiros Navais de Viana do Castelo é uma tarefa hercúlea, tão grande é a quantidade de suspeitos que descuidadamente deixaram as impressões digitais no local do crime.
A cena do crime é macabra. Há meses tão longos que já se medem por anos que a grande maioria dos 630 trabalhadores dos estaleiros cumprem o horário mas não trabalham, porque há encomendas mas falta a matéria-prima.
A encomenda de dois asfalteiros, feita pela Venezuela, ainda não começou a ser executada por não haver dinheiro para o aço, pois o adiantamento, de 10% do contrato, feito pelo Governo de Caracas foi, ao que consta, desviado para pagar um empréstimo à Caixa.
Descurados durante anos a fio, os estaleiros foram perdendo competência e competitividade. Como se isso não bastasse, foram apunhalados nas costas pelo Governo dos Açores, liderado por Carlos César, ao recusar-se a receber o "Atlântida", sob o pretexto da velocidade ser ligeiramente inferior ao contratado.
Apesar de encherem a boca com promessas de reindustrialização, os nossos governantes estão a deixar os estaleiros morrer, com o passivo a crescer ao ritmo dos dois milhões de euros pagos todos os meses a trabalhadores a quem é negado o direito ao trabalho.
Apurar a identidade do responsável por este lastimável estado de coisas só não é fácil porque não se trata de uma só pessoa, mas sim uma longa lista de criminosos, onde constam Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e Passos Coelho, isto é, todos os primeiros-ministros (e respetivos ministros das Finanças e da Defesa) que inscreveram nos seus programas de Governo a privatização do Estaleiros de Viana e não só não cumpriram essa promessa como não conseguiram evitar a sua decadência.
Ou seja, o desfecho do crime nos estaleiros navais é parecido com o do "Crime no Expresso do Oriente", de Agatha Christie, em que Hercule Poirot conclui que todos os 13 suspeitos participaram no crime.