Rafael BarbosaCastigo aos desempregadosFoi em julho que o primeiro-ministro prometeu, para setembro, o anúncio de novas medidas para contrariar a emergência social. Como se a aflição fosse a banhos em agosto. A solidariedade (diferida) do Governo justificava-se com o facto de o país estar em crise: à inflação descontrolada de vários meses (com muitos portugueses a cortarem até na alimentação) somava-se a subida das taxas de juro (que ameaçavam tornar impossível o pagamento da prestação da casa).
Rafael BarbosaMentira ou ignorância? Ventura que escolhaRecorde-se o filme dos acontecimentos: primeiro, André Ventura expôs as suas teorias xenófobas no Parlamento; depois, Augusto Santos Silva decidiu que, mais importante do que manter a imparcialidade do cargo de presidente da Assembleia da República, era contrariar ele próprio o populismo histriónico; e esse foi o pretexto para o número circense em que Ventura e respetiva corte abandonaram o plenário. Tenho ouvido dizer que, neste episódio, o único que ganhou alguma coisa foi André Ventura. Permito-me discordar. Não há nada a ganhar na política com a ignorância ou a mentira (terá de ser o líder do Chega a esclarecer qual o substantivo que melhor se aplica).
Rafael BarbosaO estado da naçãoO debate sobre o estado da nação é um daqueles momentos que, apesar de fazer parte da liturgia política, não costuma ficar na memória. Os governos fazem o seu balanço, encontrando sempre razões para prever tempos melhores, enquanto as oposições contrapõem, prevendo sempre tempos mais ou menos sombrios. E depois vão todos de férias (com a exceção dos ministros da Administração Interna, que ficam para apagar os fogos), e nós com eles (os que podem).
Rafael BarbosaPartilha ou selvajaria?Quando começou, parecia promissor. Conceitos como "consumo colaborativo" ou "economia de partilha" eram revolucionários nos anos da crise financeira de 2007/2008 (em Portugal, a fatura mais pesada chegou em 2011, com a crise da dívida pública e a troika).
Rafael BarbosaCrónica de uma morte anunciada1. O aviso de Rui Moreira. Em março deste ano, em entrevista ao JN, o autarca do Porto lançou o alerta: "Temo que a descentralização seja o enterro definitivo da regionalização". Na altura, depois de uma vitória socialista com maioria absoluta, incluindo no pacote a promessa de um referendo em 2024, parecia catastrofista. Ou uma boa frase para fazer um título (que aliás fez). Três meses depois, no entanto, o oráculo de Moreira arrisca ser mais certeiro que os da famosa sacerdotisa de Delfos.
Rafael BarbosaAs rimas da HistóriaA História nunca se repete, mas rima muitas vezes. A frase costuma ser atribuída ao escritor americano Mark Twain (pelo menos as gerações mais velhas hão de lembrar-se das aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn). E ainda que haja dúvidas sobre a autoria, o aforismo é certeiro. Como se confirma nos dias que correm, em que sucessivas cimeiras descrevem um Mundo que entra, de novo, na guerra fria. De um lado, o chamado mundo ocidental (a que Portugal pertence por geografia, cultura e convicção democrática); do outro, a Rússia (cada vez mais próxima de uma ditadura czarista) e a China (uma ditadura comunista e capitalista).
Rafael BarbosaOs irredutíveis gaulesesNão foi há muito que aqui escrevi que não é fácil a um português perceber o que se passa na política francesa. Na verdade, foi há dois meses e a propósito da primeira volta das eleições presidenciais. Nessa altura, para destacar que os vários candidatos "radicais" (de Esquerda e de Direita) somaram 60% dos votos. E que os candidatos dos partidos "tradicionais" do centro-esquerda e do centro-direita (os equivalentes aos nossos PS e PSD) tinham sido enxovalhados, com 6%. Assim dito, quase parecia que vinha aí o fim do Mundo. Ou, pelo menos, que ia ser preciso reescrever os manuais de ciência política.
Rafael BarbosaSabe bem pagar tão poucoVamos imaginar que um qualquer cidadão ou empresário se sentia descontente com uma qualquer taxa, imposto ou contribuição que o Estado lhe aplicasse. Na verdade, não é preciso grande imaginação. Menos ainda nos tempos que correm, em que todos os impostos, taxas e contribuições parecem excessivas. Sobretudo a quem conta os tostões, tentando sobreviver aos pagamentos dos últimos dias do mês.
Rafael BarbosaEmagrecer por decreto1. Não é uma questão de opinião, é factual. A inflação em maio foi de 8,1%. A gasolina e o gasóleo estão mais caros. Quase todos os bens e serviços, incluindo os essenciais, estão mais caros. A comida está mais cara. Como a atualização dos rendimentos não acompanha a taxa de inflação, os portugueses estão a empobrecer. E são cada vez mais os que já não conseguem pôr comida na mesa. Não é opinião, é facto denunciado pelas mais respeitadas instituições de solidariedade social: há cada vez mais gente a pedir ajuda e há cada vez menos gente com capacidade para ajudar. Perante isto, o que faz o Estado? Incentiva o emagrecimento forçado e decide, por decreto, reduzir de 120 mil para 90 mil o número de pessoas com acesso ao cabaz de alimentos que distribui aos mais vulneráveis. Faz algum sentido? Para quem usa o coração e a cabeça, não faz nenhum. Para um Governo em estado de negação, pelos vistos faz.
Rafael BarbosaTrês meses de guerra1. Três meses depois do início da invasão da Ucrânia, a guerra entra numa nova fase. Uma guerra de desgaste que promete prolongar-se no tempo. O principal objetivo de Vladimir Putin caiu por terra, logo nas primeiras semanas: não foi possível submeter a Ucrânia, nem substituir o regime.
Rafael BarbosaNão se arranjam umas eleições?Há promessas políticas muito convenientes. Sobretudo se forem feitas no tempo certo. E no que diz respeito às creches gratuitas para todas as crianças, António Costa geriu com distinção o tempo e o modo.
Rafael BarbosaA Europa que queremosAs guerras são sempre más. Trazem destruição e morte. Sabemo-lo hoje melhor do que ontem, com as notícias que nos chegam da Ucrânia. Mas não deixam também de ser momentos que obrigam os povos a refletir sobre o que querem para o seu futuro.
Rafael BarbosaNo entanto ela move-seNo entanto, ela move-se. O desabafo, diz-se, foi do físico e filósofo Galileu Galilei, quando a Santa Inquisição o obrigou a retratar-se e a negar que a Terra se movia à volta do Sol. Vem a história a propósito da Associação Nacional de Municípios Portugueses que, parecendo até aqui quase estática perante o Governo e a sua tentativa de impor às autarquias uma descentralização que lhe ficasse baratinha, afinal também se move.
Rafael BarbosaA paz dos cemitérios1. Dois meses depois do início da guerra, António Guterres foi a Moscovo (e amanhã a Kiev). Foi fazer o que lhe compete, enquanto líder da ONU: tentar construir um caminho para a paz. Não é aconselhável, no entanto, alimentar ilusões. A tentativa é louvável e necessária (mesmo que tardia), mas, para que haja paz, é necessário que ambas as partes a desejem. Ou que outros sejam capazes de a impor. E é bastante evidente que não existe nem esse desejo, nem essa força. Nem por parte da Rússia, o agressor, que está longe de conseguir atingir objetivos mínimos (e muito menos os máximos, que eram o de conquistar Kiev e derrubar o regime ucraniano). Nem por parte da Ucrânia, que não só não aceitará perder o controlo de parte do seu território, como é todos os dias empurrada para um ideal de vingança, tal é o nível de atrocidades cometido pelo invasor (execuções de civis, violações de mulheres, morte de crianças). Nem por parte dos países ocidentais: no mesmo dia em que Guterres conversava com o autocrata de Moscovo, a Alemanha cedia à pressão e anunciava a cedência de blindados com sistema de mísseis antiaéreos à Ucrânia; e os EUA juntavam 40 países numa base militar alemã, prometendo mover "céus e terra" na ajuda militar à Ucrânia. Infelizmente para Guterres e para a humanidade, as trombetas da paz são abafadas pelos tambores da guerra. Paz, por enquanto, só a dos cemitérios.
Rafael BarbosaA maioria pode ser "radical"?Não é fácil a um português perceber o que se passa na política francesa. Quando por aqui se fala em reconfiguração, polarização ou fragmentação política, estamos a falar de fenómenos incipientes. Pelo menos quando comparado com o que se passa em França.
Rafael BarbosaO argumento do bicho-papãoJá temos Orçamento do Estado (com uma maioria absoluta do PS, a discussão e votação são mero pró-forma). A grande dúvida do momento é se é um Orçamento de contenção, como defende o novo ministro das Finanças, ou de austeridade, como sugere o PSD.
Rafael BarbosaOs tarefeiros do EstadoO anúncio soou com estrondo. Rui Moreira recusa o acordo para a descentralização de competências que a "cumplicidade" política entre o Governo e a Associação de Municípios (ambos liderados por socialistas há vários anos) permitiu. E quer a Câmara do Porto fora da ANMP.
Rafael BarbosaSomos nós que pagamos a guerra de PutinDesde o dia em que as tropas russas entraram na Ucrânia que as democracias europeias se confrontam com um paradoxo: a Europa que se solidarizou com o povo ucraniano é a mesma que paga a guerra de Putin.
Rafael BarbosaOs refugiados não são todos iguais1. Todos temos testemunhado a notável onda de solidariedade dos portugueses relativamente aos ucranianos que fogem da guerra. Alguns vão até nas suas carrinhas, carregadas de mantimentos à ida e de refugiados à volta. Não surpreende, por isso, que 44% dos portugueses estejam totalmente de acordo com a política de portas abertas, sem quaisquer limitações, decidida pelo Governo. Mas não se deitem demasiados foguetes quanto à nossa vontade de acolher os deserdados deste Mundo. Para além do horror da guerra e da compaixão por quem sofre, a proximidade cultural, religiosa e étnica dos ucranianos deu uma ajuda. Basta olhar para os resultados da mesma pergunta, mas para refugiados sírios (em guerra há mais de uma década), afegãos (na fuga aos talibãs apenas uma ínfima minoria teve o prémio europeu) ou de um qualquer país africano em guerra: só 22% concordam totalmente com a política de portas abertas, sem limitações, a esta gente de culturas, religiões, etnias e até diferentes cores de pele.
Rafael BarbosaSinais de paz e de egoísmo1. Os sinais são ténues. Mas é possível vislumbrar uma saída para a guerra. Um deles chega do presidente da Ucrânia. Que vai repetindo, uma e outra vez, que não lhe parece possível que o seu país venha a aderir à NATO. Recorde-se que essa é uma das condições do cabo de guerra que governa a Rússia. Outros sinais chegam do agressor. Que outra coisa é, senão sinal de fraqueza, bombardear prédios de habitação? Que outra coisa é, senão sinal de desespero, contratar combatentes sírios experimentados nos crimes da guerra urbana? É um paradoxo, mas talvez se venha a perceber (esperemos que mais cedo do que tarde) que, ao dar rédea solta a todos os seus cães de guerra (incluindo os famigerados combatentes chechenos), a Rússia esteja apenas a mostrar que o exército mais poderoso da Europa não tem força para quebrar a resistência do povo ucraniano.
Rafael BarbosaDilema moralÀ medida que aumenta a violência; que assistimos à destruição de escolas, hospitais, zonas residenciais; à medida que testemunhamos a morte dos jovens soldados (não são menos humanos que os outros, incluindo os russos que Putin usa como carne para canhão); que nos horrorizamos com a morte de crianças; assim aumenta o nosso desejo de vingança; assim a emoção se vai sobrepondo à razão. É natural. Mas pode ser perigoso.
Rafael BarbosaCrimes de guerraEra para ser uma análise às mudanças que a guerra está a provocar na política europeia. Mas já não pode ser. Porque a cada dia que passa, a cada hora, a cada minuto, nos aproximamos de uma guerra total.
Rafael BarbosaO czar de todas as RússiasUm passo de cada vez em direção à guerra, Putin cumpre o seu guião. Primeiro, foi o reconhecimento da independência das regiões separatistas no Leste da Ucrânia.
Rafael BarbosaChapelada eleitoralApetece perguntar: para que servem 230 deputados (e mais as suas muitas dezenas de assessores)? Para que serve a Comissão Nacional de Eleições e o seu rol de nomeados?